A política cambial de um país é executada sob um conjunto de leis, normas e procedimentos operacionais relativos à compra, venda, doações, empréstimos, transferências e outras formas de entradas e saídas de moedas estrangeiras. Embora em menor proporção, as mesmas operações feitas com a moeda estrangeira podem ser feitas com a moeda nacional em outros países por agentes econômicos brasileiros. As entradas, as saídas, os pagamentos e os recebimentos em moeda estrangeira são realizados pelas entidades macroeconômicas – pessoas, empresas, governos e resto do mundo – e por outras instituições não enquadráveis nessas categorias.
Uma empresa compra e vende moeda estrangeira para executar operações de importação e exportação de matérias-primas, bens de capital, serviços, tecnologias, patentes, viagens, investimentos externos etc. Da mesma forma, uma pessoa física pode adquirir patrimônio no exterior, fazer aplicações financeiras fora do país em diversas moedas, receber e enviar recursos para familiares residentes no exterior ou lá em atividades temporárias, adquirir objetos pessoais estrangeiros, vender objetos ou serviços para adquirentes no exterior e outras operações que exijam movimento de dinheiro.
As pessoas físicas sempre tiveram severas restrições para movimentar, transportar e reter moeda estrangeira, sobretudo o dólar, em função da decisão governamental de controlar as relações das pessoas com o resto do mundo
Esses exemplos são pequena amostra do enorme conjunto de operações, atos e eventos que as entidades internas – pessoas, empresas e governo (o que inclui qualquer instituição de qualquer natureza jurídica com existência no país) – executam com entidades iguais existentes no resto do mundo. Nesse grande cenário real, como mais expressivas em volume monetário predominam as operações de importação e exportação de bens de consumo, bens de capital, as entradas e saídas de capitais financeiros por investimento direto ou empréstimos recebidos e devolvidos, além de recebimento e pagamento por conta de viagens, seguros, fretes, aluguel de patentes, aluguel de tecnologias e transferências diretas (doações) etc.
A necessidade de uma política cambial resulta de um aspecto da vida econômica relativamente simples de compreender, porém complexo em sua execução. Trata-se do fato de que cada país adota uma moeda nacional, que tem curso legal garantido por lei e serve para as operações realizadas dentro do país. Porém, quando as entidades econômicas do país e seus agentes de mercado se relacionam com o resto do mundo, basicamente naquelas operações acima citadas, as transações e os atos de recebimentos e pagamentos se dão na moeda padrão internacional (que é o dólar) ou em outra moeda estrangeira aceita pelas partes. No Brasil, a apropriação da moeda estrangeira sempre foi monopólio do Banco Central (BC), de forma que um agente nacional – como uma empresa, por exemplo –, ao obter moeda estrangeira por exportações, recebimento de um investimento direto em sua unidade no Brasil ou a título de empréstimo contraído em banco estrangeiro, sempre foi obrigado a entregar a moeda estrangeira ao BC, recebendo em troca a moeda nacional segundo a cotação cambial vigente.
Dizendo de outra forma, no caso do exemplo citado, uma empresa exportadora nunca teve como fazer da moeda estrangeira objeto de suas vendas internacionais e usá-la para fazer depósitos em contas bancárias internas e pagar suas despesas no Brasil nessa moeda. Durante muito tempo, a empresa brasileira (o que inclui a empresa estrangeira com atividades no Brasil) também não podia manter sua moeda estrangeira depositada no exterior: era obrigada a entregá-la ao BC, recebendo o valor correspondente na moeda nacional, à taxa cambial do dia. Por isso, sempre vigorou no Brasil uma robusta atividade do BC como única instância a se apropriar das moedas estrangeiras obtidas pelas entidades e agentes nacionais, tendo o BC a obrigação de fornecer o equivalente em moeda nacional.
Essa atividade do BC é registrada por complexos sistemas contábeis e resultam num balanço conhecido por “Balanço de Pagamentos”, que inclui três grupos de contas: a Balança Comercial, para registrar importação e exportação de mercadorias tangíveis; a Balança de Serviços, para registro de pagamentos e recebimentos por conta de fretes, seguros, juros, aluguéis, viagens, transferências diretas etc.; e a Balança de Capitais, para registrar entrada de moeda estrangeira para investimento direto, obtenção de financiamentos externos, pagamentos ao exterior por amortização de financiamento, e investimentos brasileiros diretos em outros lugares do mundo.
Ampliar a liberdade e desburocratizar as operações é sempre notícia boa e favorável à economia brasileira, que ainda é bastante fechada e com muitas limitações às operações com moedas estrangeiras por agentes nacionais
As pessoas físicas sempre tiveram severas restrições para movimentar, transportar e reter moeda estrangeira, sobretudo o dólar (por ser a moeda padrão internacional), em função da decisão governamental de controlar as relações das pessoas com o resto do mundo. É preciso mencionar que esse complexo de operações não se aplica literalmente aos Estados Unidos (EUA), pela simples razão de que desde 1944, quando foi assinado o tratado de Bretton Woods, o mundo adotou o dólar como moeda padrão internacional, de forma que essa moeda tem curso legal mundial e não apenas dentro do país emissor. A estrutura cambial e o envolvimento de um país com moedas estrangeiras são assuntos técnicos complexos, cujo entendimento exige estudos precisos, e é sobre esse campo que se está aprovando um novo marco regulatório com a aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei 5.387/2019, que seguirá para a sanção presidencial. A nova norma amplia a liberdade de pessoas físicas e pessoas jurídicas, amplia o espaço para bancos brasileiros atuarem no exterior, desburocratiza as operações com moeda estrangeira e eleva o limite de dinheiro autorizado para porte de quem viaja ao exterior, passando de R$ 10 mil para US$ 10 mil ou o equivalente em outra moeda que não o dólar.
A nova norma permite que exportadores tenham mais liberdade na movimentação e aplicação de seus recursos obtidos em operações comerciais de exportação ou operações de crédito e financiamento externo. Ampliar a liberdade e desburocratizar as operações é sempre notícia boa e favorável à economia brasileira, valendo mencionar que, neste ano de 2021, analistas internacionais e outros nacionais fizeram alerta sobre o fato de que o Brasil é uma economia bastante fechada e com muitas limitações às operações com moedas estrangeiras por agentes nacionais, e que é imperativo aumentar a abertura internacional, ampliar a inserção do Brasil no mercado exterior, reduzir a dependência das commodities primárias exportadas e aumentar o grau de liberdade nas relações econômicas com o resto do mundo. Esse marco regulatório ainda padece de algum grau de timidez e poderia ter ido mais longe, mas já é um bom começo para um país que historicamente se recusou a abrir sua economia para o exterior, fato que responde por parte do atraso brasileiro e pela dificuldade de retomar o crescimento econômico.