O episódio de rejeição da Medida Provisória de criação da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo pelo Senado, como resultado da rebelião da bancada do PMDB, ilustra as dificuldades na formação de maiorias sólidas para a governabilidade sob o atual sistema político no Brasil. Essa situação é acentuada pela mudança de parlamentares para partidos diferentes daqueles pelos quais se elegeram, às vésperas do encerramento do prazo de filiação partidária válido para as eleições municipais de 2008.
Segundo a lei eleitoral, os políticos que desejam concorrer ao pleito municipal de 2008 devem estar com seu processo de filiação concluído até um ano antes da eleição, isto é, até o próximo dia 4 de outubro. Até agora 45 congressistas já se transferiram de legenda, alguns mais de uma vez, anunciando-se que nova revoada poderá ocorrer antes do encerramento do prazo, incluindo vários senadores. O "troca-troca" geralmente ocorre em favor de legendas da base de apoio ao governo, com perdas para os partidos da oposição.
No caso da rejeição da MP, a bancada peemedebista valeu-se do episódio para expressar sua insatisfação quanto ao cumprimento dos termos da aliança entre as legendas que compõem a base governista, que estaria sendo atropelada pela sede do PT por cargos de maior expressão. Caiu, por ora, a Secretaria com status de ministério criada para acomodar o filósofo Roberto Mangabeira Unger. Mas as pressões determinadas pelo atual modelo político podem afetar também outras decisões essenciais. Em poucos dias, por exemplo, chegará à Câmara Alta do Congresso a matéria decisiva de prorrogação da CPMF.
As recentes movimentações para troca de legenda só não têm sido maiores porque o Supremo Tribunal Federal (STF) vai apreciar em grau definitivo, no dia 3, véspera do prazo-limite de mudança, se o mandato pertence ao eleito ou ao partido. A questão foi levantada por agremiações que perderam filiados após a eleição de 2006 e chegou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em resposta a consulta de legendas oposicionistas, o TSE fixou o entendimento de que os mandatos legislativos obtidos em eleição proporcional (deputados federais e estaduais) pertencem aos partidos ou coligações pelos quais os postulantes se elegeram. O procurador-geral da República, chamado a opinar, defendeu argumento diverso, atendendo à realidade brasileira, em que os partidos funcionam como intermediários da representação do eleitorado.
Mas o ministro Marco Aurélio de Mello, presidente do TSE e membro do STF, advertiu que os ministros da Corte Suprema que também atuam na Justiça Eleitoral já deram quatro votos favoráveis à reserva da titularidade do mandato para os partidos.
Não se pode negar que está na hora de o Brasil passar por uma reforma política profunda para que a democracia ganhe força. A fidelidade partidária é um dos elementos essenciais dessa reforma e deve levar a uma saudável redução do número de partidos. Enquanto as mudanças mais amplas não vêm, a expectativa se volta para a decisão do STF. O Supremo terá, na quarta-feira, uma oportunidade para conter a desrespeitosa atitude daqueles que mudam de sigla ao sabor de interesses de ocasião, sem levar em conta a premissa de que seus eleitores os escolheram como defensores de idéias que, ao menos em tese, estão intrinsecamente ligadas a determinado partido.