A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar, por unanimidade, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato parlamentar e da presidência da Câmara dos Deputados foi descrita como histórica por juristas e políticos, embora tenha sido também classificada por alguns como um polêmico precedente. Com a deliberação da Corte, Cunha fica suspenso do cargo de deputado enquanto durar o risco de interferir nos processos em trâmite contra si, mas ainda mantém o foro especial.

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O deputado já deveria ter sido afastado da presidência da Câmara há muito tempo. Há quase cinco meses, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou medida pedindo ao STF o afastamento cautelar do mandato e da presidência. O procurador-geral da República apontou na ocasião 11 fatos que demostrariam que Cunha agia para atrapalhar e, até mesmo, obstruir as investigações contra si em trâmite no Supremo, bem como no Conselho de Ética, onde é alvo de processo de cassação por quebra de decoro parlamentar. Foi, portanto, com estranheza que só agora Teori tenha decidido pela suspensão, no mesmo dia em que precisamente seria levado para análise, sob outros fundamentos, um pedido protocolado pela Rede para que o deputado deixasse a presidência da Câmara.

O precedente fragiliza a força dos mandatos

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Mas Teori foi além, não afastou Cunha apenas da presidência, algo que já deveria ter feito há meses. Suspendeu Cunha também do exercício do mandato, sem, no entanto, cassá-lo. Aqui a situação merece algumas ponderações. A Constituição Federal, no artigo 55, VI, estabelece que deputado ou senador perde mandato em caso de condenação criminal com “sentença transitada em julgado”. O Código Penal, em consonância com o preceito constitucional, dispõe no artigo 92, I, que um dos efeitos da condenação é “a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo”.

Ora, no caso de Cunha não há condenação criminal que enseje o afastamento do mandato. Mais do que isso. Não parece totalmente claro que o afastamento seja fundamental para assegurar que as investigações prossigam sem interferências. O crucial era que Cunha perdesse os poderes de coação que posição de presidente da Câmara lhe conferia. Como mero deputado esse poder se reduziria drasticamente.

A questão não é meramente formal, de cumprimento da letra da Constituição. É com relação a seu próprio espírito, de proteção ao mandato democraticamente conferido pelo povo. O precedente fragiliza a força dos mandatos, o que pode ser delicado sobretudo em momentos que surjam pretensões autoritárias.

O plenário do Supremo confirmou a liminar de Teori. A decisão coloca o deputado numa espécie de limbo jurídico por tempo indefinido, num meio termo entre a cassação e o mandato, algo sem previsão constitucional. O próprio Teori Zavascki, na decisão liminar, declara que não há previsão específica na Constituição para a suspensão cautelar do mandato de deputado. Mas o ministro admite ser medida “extraordinária, excepcional”, e que o “imponderável é que legitima os avanços civilizatórios endossados pelas mãos da justiça”.

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Ao assim ponderar, Teori talvez não tenha considerado com mais cuidado a importância do princípio democrático. A democracia pressupõe um governo exercido por representantes do povo em eleições periódicas, que só podem ser removidos do cargo por expressas previsões constitucionais e legais.

É claro que todos os brasileiros de bem anseiam por ver Cunha desterrado da vida pública. Mas, ainda assim, como diz o ditado, é sábio dar o benefício da lei ao próprio demônio se se quer proteger a sociedade.

Em circunstâncias de crise aguda é natural que surjam problemas de tal intensidade que a ponderação exata da melhor solução requeira uma ampla discussão e muita lucidez. O mais importante é que essas reflexões contribuam para o fortalecimento do sistema democrático.