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Editorial

A nova constituinte chilena e a mensagem do eleitor

O conservador José Antonio Kast comemora em Santiago a vitória da sua legenda, o Partido Republicano, na eleição para uma nova assembleia constituinte no Chile. (Foto: EFE/Elvis González)

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A necessidade de uma nova Constituição para o Chile, em substituição ao texto elaborado na época da ditadura de Augusto Pinochet, vem desde o fim dos anos 90; no entanto, em vez de redigir uma nova Carta Magna imediatamente após a redemocratização, os chilenos optaram por emendar pesadamente o texto em vigor. Apenas em 2020 a população aprovou o início de um processo constituinte no país, mas que culminou em um texto desastroso, recheado de modismos “progressistas” e que, com razão, foi rechaçado pela população. Agora, uma segunda tentativa foi posta em marcha com a eleição, no último 7 de maio, dos membros da nova Assembleia Constituinte do país, com perspectivas de que desta vez o resultado seja melhor.

Ter uma Constituição que possa equilibrar direitos e deveres, estabelecer bases sadias para o funcionamento harmônico entre instituições e poderes, além de definir as regras do próprio jogo democrático, é uma preocupação da maioria dos países. Ou ao menos daqueles que querem seguir o caminho da democracia – nas ditaduras e autocracias, infelizmente, sabe-se que as Constituições pouco valor possuem, sendo constantemente massacradas em nome de interesses particulares ou ideológicos. Nesse sentido, é vital que os valores refletidos no texto constitucional estejam em sintonia com os da população, e para isso o papel dos legisladores é fundamental.

Quando votaram pela redação de uma outra Carta Magna, os chilenos disseram que a Constituição atual já não lhes satisfazia; quando rejeitaram o texto esquerdista da constituinte anterior, disseram que a mudança pretendida não era uma “refundação” com moldes esquerdistas e identitários

No caso chileno, a primeira tentativa de elaborar a nova Constituição ficou a cargo de um grupo majoritariamente de esquerda, escolhido após uma eleição marcada pelo desinteresse dos eleitores e taxas de abstenção de quase 60%. Ao fim dos trabalhos da constituinte, os chilenos tinham diante de si um texto com 372 artigos, contendo uma profusão de “direitos” – sem apontar como eles poderiam ser garantidos – e poucos deveres; aumento significativo das obrigações do Estado; e inclusão de pautas identitárias “progressistas”, como garantia do direito ao aborto e à eutanásia. O descompasso da proposta com aquilo que os chilenos de fato queriam ficou evidente em setembro de 2022, quando a população rejeitou o texto no referendo que seria a última etapa prevista para a consolidação de uma nova Constituição.

O descontentamento com a constituinte “progressista” ficou evidente também na eleição de maio deste ano, que definiu os nomes da nova Assembleia Constituinte. Diferentemente do que aconteceu antes, quando a maioria dos eleitores simplesmente não foi votar, agora a assembleia foi eleita com o voto de 84% dos eleitores. Este salto na participação foi seguido por uma alteração radical na composição do colegiado que redigirá a Constituição: se antes os esquerdistas dominaram as discussões, agora serão minoria. Dos 50 eleitos, 23 pertencem ao Partido Republicano, de direita, legenda de José Antonio Kast, derrotado pelo esquerdista Gabriel Boric na eleição presidencial de 2021; e a coalizão Chile Seguro, que reúne partidos de centro-direita, obteve 11 cadeiras. Já a coalizão governista Unidade para o Chile, de Boric, obteve apenas 16 assentos. Os eleitos tomarão posse em 7 de junho e deverão elaborar a proposta da nova Constituição, com base em um texto previamente elaborado por um grupo de especialistas nomeados pelo Congresso, com 12 “bases constitucionais” que foram definidas no acordo entre o governo Boric e os partidos chilenos em janeiro deste ano, para evitar tentativas de “refundação” do país por meio de guinadas radicais.

Embora seja bastante significativa, a mudança na composição da Assembleia Constituinte chilena não é por si só uma garantia de que o resultado final será mais positivo do que o da primeira vez. Mesmo que dificilmente propostas nocivas sejam novamente incluídas, há outro risco: o da perda da oportunidade de aperfeiçoar o modelo liberal chileno, que trouxe inegável crescimento econômico, mas que por vezes impede uma atuação subsidiária do Estado no cuidado com os pobres e miseráveis do país. “O processo anterior, devemos dizer, fracassou porque não soubemos ouvir uns aos outros entre aqueles que pensavam diferente”, admitiu o presidente Gabriel Boric, acrescentando: “quero convidar desde já o Partido Republicano a não cometer o mesmo erro que cometemos”. O convite tem sua razão de ser: se na primeira constituinte a esquerda radical se achou dona de uma carta branca, o partido de Kast vai na direção diametralmente oposta, pois quer algo bastante inspirado na atual Constituição, herdada do pinochetismo e emendada para acomodar o retorno à democracia.

Quando votaram pela redação de uma outra Carta Magna, os chilenos disseram que a Constituição atual já não lhes satisfazia; quando decretaram o fracasso esquerdista da Assembleia Constituinte anterior, disseram que a mudança pretendida não equivalia a “zerar” o país em uma “refundação” com moldes esquerdistas e identitários. Trata-se, então, de criar algo novo, permitindo que o Chile mantenha sua posição de destaque no cenário econômico, mas sem deixar de lado a parte mais vulnerável de sua população. Se decidir fechar-se em si mesmo, negando contribuições de outros setores da sociedade, o Partido Republicano repetirá o erro da esquerda: não saber ouvir aqueles que pensam diferente, mas que podem ter contribuições importantes para a elaboração do novo texto constitucional. Os chilenos querem uma nova Constituição, que reflita o que a população deseja, e não que seja mero compilado de posições ideológicas de um ou outro partido. Que os representantes eleitos para elaborar a nova carta constitucional respeitem essa vontade.

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