Os planos do governo federal para anunciar uma reforma tributária própria, em vez de endossar ou apenas aprimorar alguma das duas propostas em tramitação no Congresso Nacional, causou uma baixa importante no Ministério da Economia: o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, foi exonerado na quarta-feira. Entusiasta do chamado “imposto único”, Cintra caiu por defender enfaticamente a cobrança de um tributo sobre pagamentos, aos moldes da antiga CPMF. Por fim, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não haverá nenhum imposto desse tipo na reforma tributária, em linha com o que prometera no Twitter ainda durante a campanha.
Analisando única e exclusivamente a natureza do imposto que vinha sendo ventilado – ora com o nome de Contribuição sobre Pagamentos (CP), ora como Imposto sobre Transações Financeiras (ITF) –, há bons motivos para rejeitar esse tipo de tributação e enxergar com alívio a promessa de que ele não retornará. Dos vários problemas apontados por especialistas, como o fato de se tributar operações que não necessariamente representam aumento de renda ou geração de riqueza, ou a possibilidade de bitributação no caso dos pagamentos para uma aquisição ou transferência de bens que já é tributada de outra forma (por exemplo, uma compra de imóvel, sobre a qual já incide o ITBI), um dos piores é o efeito cascata desse tipo de cobrança, repercutindo no preço final de produtos e serviços, especialmente quando envolvem longas cadeias. A consequência é reforçar o velho e maior problema do sistema brasileiro: tributar demais a produção e consumo, ao contrário de cobrar sobre patrimônio e renda. No fim, são os mais pobres que pagam a conta.
Como a reforma tributária do governo não para em pé sem o novo imposto, agora o Ministério da Economia terá de buscar uma alternativa
Mesmo com todos esses problemas e apesar da oposição de Bolsonaro anunciada ainda durante a campanha, a “nova CPMF” entrou nos planos do Ministério da Economia com força, a ponto de ter se tornado uma das pernas do tripé da reforma proposta por Cintra e pelo ministro Paulo Guedes. As alíquotas já estavam até definidas, como ficou claro em apresentação feita pelo secretário-adjunto da Receita no dia 10, episódio que aparentemente levou à queda de Cintra. A pergunta é: como isso chegou a ocorrer?
Algumas declarações de Guedes e do próprio Bolsonaro parecem dar pistas. O ministro da Economia disse estar consciente de que a “nova CPMF” não era um imposto bom, mas seria a única alternativa a algo ainda pior: a manutenção da oneração da folha de pagamento, que atrapalha a geração de empregos em momentos sensíveis como o atual. Apresentado ao lado de uma contrapartida, o novo imposto teria ficado mais palatável até mesmo para o presidente: “Já falei para o Guedes: para ter nova CPMF, tem que ter uma compensação para as pessoas. Se não, ele vai tomar porrada até de mim”, disse Bolsonaro ao jornal Folha de S.Paulo em 3 de setembro. Acreditando terem cumprido a condição estabelecida por Bolsonaro, Guedes e Cintra seguiram em frente com a ideia do novo imposto, até a reviravolta súbita do dia 11.
- As reformas tributárias estão na mesa (editorial de 18 de agosto de 2019)
- Pedro Menezes: Por que o imposto único de Marcos Cintra é uma péssima ideia (15 de julho de 2019)
- A CP de Marcos Cintra é altamente onerosa e prejudicial aos contribuintes (artigo de Cezar Machado, publicado em 15 de agosto de 2019)
E, como sem o novo imposto a reforma tributária do governo não para em pé, agora o Ministério da Economia terá de buscar uma alternativa. Apesar da retórica de “tudo ou nada” Guedes, segundo a qual as duas únicas opções possíveis eram manter a oneração da folha nos níveis atuais ou engolir a “nova CPMF”, essa falsa dicotomia precisa ser deixada para trás. Desonerar a folha de pagamento é um objetivo que tem de ser buscado, mas a compensação para os valores que o governo deixaria de arrecadar pode vir de outras fontes, principalmente se buscar o respeito à justiça tributária, em que paga mais quem tem mais. Se tiver sucesso neste aspecto, a reforma sugerida pelo governo já terá uma vantagem em relação às propostas que já estão no Congresso e que apostam mais na simplificação de tributos que em um verdadeiro redesenho da tributação no Brasil.
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