(Nota da redação: O texto foi atualizado às 15 horas de quinta-feira, 10 de outubro, com a informação sobre a aprovação do projeto da repartição do leilão na Câmara dos Deputados)
Mesmo com o atraso no primeiro turno de votação da reforma da Previdência no plenário do Senado, o país ainda esperava ver o processo finalmente concluído nesta quinta-feira, dia 10. No entanto, os senadores resolveram adiar o tão aguardado desfecho em duas semanas, para o dia 22 de outubro, por dois motivos. No domingo, dia 13, o papa Francisco canonizará Irmã Dulce em cerimônia no Vaticano, e uma grande celebração está prevista para o dia 20 em Salvador; por isso, o quórum no Senado estará esvaziado na próxima semana, com muitos parlamentares integrando a missão oficial brasileira em Roma, comandada pelo vice-presidente Hamilton Mourão.
O segundo motivo não tem nada de religioso; depois de imitarem os deputados e promoverem sua própria desidratação no projeto, os senadores também quiseram fazer uma última pressão. Incitados por governadores, principalmente do Norte e do Nordeste, vários parlamentares condicionaram a votação final da Nova Previdência a um acordo sobre a divisão dos recursos que o governo pretende arrecadar com um megaleilão do pré-sal da chamada “cessão onerosa”. O leilão, marcado para 6 de novembro, deve render R$ 106 bilhões; a União contava com esse valor para conseguir amenizar seu buraco fiscal, mas estados e municípios também queriam uma fatia do dinheiro. O governo federal não era obrigado a fazer tal concessão, mas sem ela, argumentaram os senadores, a Previdência teria de esperar.
O que tinha tudo para ser uma tramitação tranquila no Senado já virou uma versão resumida da via crúcis que a reforma enfrentou na Câmara
Na terça-feira, governo e senadores chegaram a um acordo para repartir os recursos. Do total arrecadado, 15% ficarão com os estados e outros 15%, com os municípios, com critérios de repartição vinculados aos fundos de participação; no caso dos estados, também haverá uma compensação a estados exportadores. Tanto estados quanto municípios serão obrigados a usar o dinheiro em investimentos e para cobrir os próprios rombos previdenciários. O detalhe curioso é o calendário de votação do projeto de lei que ratifica a divisão: o texto foi aprovado na Câmara nesta quarta-feira, dia 9, e, segundo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), deve ser apreciado na casa no dia 15 – exatamente durante a semana na qual, alega-se, não haveria senadores suficientes para votar a Previdência, na ressaca da canonização de Irmã Dulce, que acabará levando a culpa sozinha.
Independentemente do mérito envolvendo a divisão do dinheiro do megaleilão, é acintoso que os parlamentares tenham usado o pré-sal para colocar uma faca no pescoço do governo, ameaçando a aprovação da reforma da Previdência. Igualmente revoltante é o fato de remarcarem a votação final apenas para daqui a duas semanas, quando a própria intenção de votar a repartição do leilão no dia 15 mostra que seria possível concluir mais cedo a tramitação. Não adianta alegar que algumas poucas semanas não farão diferença em uma novela que já dura oito meses, pois, em um país com milhões de desempregados e economia patinando, a aprovação da reforma o quanto antes é fundamental para reconstruir a confiança, sem mencionar o fato de as circunstâncias do adiamento repetirem alguns dos piores hábitos do parlamento brasileiro.
O que tinha tudo para ser uma tramitação tranquila, concluída dentro dos prazos prometidos pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e pela presidente da CCJ da casa, Simone Tebet (MDB-MS), já virou uma versão resumida da via crúcis que o projeto enfrentou na Câmara, com adiamentos, desidratação do impacto da reforma e chantagem parlamentar. O único consolo é a constatação de que poderia ser pior, se não fosse pela intenção do relator, Tasso Jereissati (PSDB-CE), de impedir que as alterações feitas no Senado devolvessem o texto à Câmara. Uma reforma tão crucial para o país certamente não deveria ser tratada com tanta leviandade.
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