A inexplicável demora do Supremo Tribunal Federal em estabelecer os limites de sua recente decisão a respeito da ordem de entrega de alegações finais em ações com réus que fizeram delação premiada começa a cobrar seu preço: mais especificamente, R$ 380 milhões. Esta era a multa que a Mendes Junior e dois executivos da empreiteira tinham sido condenados a pagar em uma ação de improbidade administrativa dentro do âmbito da Operação Lava Jato, mas a sentença foi anulada no início de fevereiro pela 3.ª Vara Federal de Curitiba, pois outros réus, que fizeram a colaboração premiada, entregaram suas alegações finais ao mesmo tempo que os demais réus – como, aliás, determinava o Código de Processo Penal. Um dos condenados recorreu da decisão com embargos de declaração, citando o precedente do STF, e pediu que a condenação fosse anulada.
Na decisão, o juiz Marcus Holz citou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça mostrando que há semelhanças entre ações de improbidade administrativa e ações penais, inclusive em seu caráter repressivo. Assim, também neste tipo de ação deveria ser aplicado o precedente estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal em dois julgamentos ocorridos no ano passado, e que resultaram na anulação das condenações do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, e do ex-gerente Márcio de Almeida Ferreira. Por isso, toda a fase de alegações finais terá de ser refeita: primeiro, o Ministério Público Federal, a União e a Petrobras terão 30 dias para entregá-las; depois, será a vez dos réus delatores – Paulo Roberto Costa e Rogério Cunha de Oliveira –, que também terão 30 dias; por fim, todos os outros réus também farão suas alegações finais. Só então será possível haver uma nova sentença.
Quanto mais o Supremo demora para resolver a crise que a própria corte criou, mas dano causa ao país
O texto da decisão deixa claro que nem chegou a haver a análise do caso concreto em questão, ou seja, se Costa e Oliveira realmente trouxeram algum fato novo em suas alegações finais, acusações que não haviam sido trazidas até aquele momento e das quais os demais réus não tiveram a oportunidade de se defender. Bastou o fato de os prazos terem sido idênticos – o que está previsto na lei processual, nunca é demais lembrar – para que o juiz considerasse ter havido prejuízo à defesa, seguindo o raciocínio dos ministros do Supremo que haviam anulado as condenações de Bendine e Ferreira.
E só foi possível ignorar as particularidades da ação envolvendo a Mendes Júnior, recorrendo ao precedente puramente formalista, porque o Supremo está se omitindo de forma grave. A corte já concordou que é preciso estabelecer alguma modulação à decisão sobre a ordem de entrega de alegações finais em processos que têm delatores e não delatores. Isso deveria ter ocorrido em 3 de outubro do ano passado, mas o presidente do STF, Dias Toffoli, adiou a análise porque o quórum não estava completo. Desde então, já houve inúmeras sessões com a presença de todos os ministros, e mesmo assim o tema não voltou à pauta, prolongando a insegurança jurídica e permitindo decisões conflitantes nas instâncias inferiores – se por um lado a 3.ª Vara Federal de Curitiba acaba de anular a sentença da Mendes Júnior, em novembro do ano passado a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região manteve a sentença do ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia, afirmando que as alegações finais dos delatores naquela ação não tinham novidades e, portanto, não havia prejuízo à defesa. Uma tese irretocável, mas que, diante do impasse no Supremo, não deixa de ser uma aposta.
Não há problema algum que o STF estabeleça que a nova ordem de entrega de alegações finais valha para processos futuros ou aqueles já em andamento, mas que ainda não chegaram a esse estágio; o Supremo pode, também, definir que haja anulação nos casos passados em que efetivamente houve novidades nas alegações finais dos delatores, sem possibilidade de resposta por parte dos delatados – afinal, este seria um caso clássico de cerceamento de defesa. O entendimento formalista é um erro grotesco, mas que segue vigorando, mesmo de forma provisória. Quanto mais o Supremo demora para resolver a crise que a própria corte criou, mais dano causa ao país, permitindo que condenações corretas do ponto de vista processual, em casos nos quais não houve prejuízo concreto à defesa dos réus não delatores, acabem anuladas de forma desnecessária, fomentando a impunidade.