Em entrevista à Gazeta do Povo, o deputado federal Diego Garcia (Podemos-PR), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, lamentou que, enquanto Rodrigo Maia (DEM-RJ) for presidente da Câmara dos Deputados, a pauta moral não caminhará um milímetro no Congresso Nacional. A afirmação pode ser comprovada pelo registro das atividades parlamentares de 2019, em que efetivamente nenhum grande projeto no campo dos costumes avançou, e a estratégia já era antecipada pelo próprio Maia, que no início do ano disse à Folha de S.Paulo, logo depois de sua reeleição para o comando da casa legislativa, que “depois que superarmos a agenda econômica, vamos discutir o que fazer com essa agenda de costumes”. A questão é que a agenda econômica não será superada tão cedo, tantas são as reformas necessárias – apenas neste ano devem tramitar a tributária, a administrativa e as PECs Emergencial, do Pacto Federativo e dos Fundos.
O presidente da Câmara escolheu como prioridade a pauta da recuperação econômica do Brasil, e nisso não está errado. É difícil pretender que um brasileiro dedique energia a temas como a proteção da vida e da família quando precisa desesperadamente de um emprego para sustentar os seus, ou quando vê seu negócio ruir por causa da hiperburocratização ou da insanidade tributária. Do ponto de vista da articulação parlamentar, argumenta-se, ainda, que colocar as duas agendas para caminhar simultaneamente causaria “ruídos” que poderiam atrapalhar a aprovação da pauta econômica: parlamentares que tenderiam a apoiar as reformas acabariam recuando diante da hipótese de serem vistos como aliados de um governo que também estaria pressionando por plataformas morais das quais esses mesmos parlamentares discordam. Além disso, a pauta econômica já não é exatamente um consenso (quase unanimidades, como a reforma tributária, são raras); acrescentar-lhe outra agenda potencialmente explosiva não ajudaria nenhuma das duas.
Quando fecha completamente a porta para a agenda de costumes, Rodrigo Maia cala a voz de milhões de brasileiros que foram às urnas em 2018 incentivados por essa pauta
Mas até que ponto isso faz sentido? Afinal, o fato de a agenda econômica ter sido definida como a prioritária não excluiu outros grandes temas da atividade parlamentar em 2019. Um exemplo, ainda que imperfeito, é o da pauta relacionada à Justiça e à segurança pública – imperfeito porque o resultado final das deliberações dos parlamentares foi, nos casos mais importantes, daninho para a nação, como nos casos da lei de abuso de autoridade e do pacote anticrime do ministro Sergio Moro. O parlamento se debruçou sobre o tema mesmo com a reforma da Previdência em andamento, e a opinião pública acompanhou o debate com atenção. O mesmo pode ser dito de outras pautas menos abrangentes. Prioridade não significa exclusividade, e 2019 mostrou isso.
E mesmo o argumento do “ruído” não faz mais sentido diante do que se tornou a relação do governo com o Congresso. Como lembrou dias atrás o colunista Fernando Schüler, já não existe mais uma “base aliada” aos moldes antigos, monolítica. Há um pequeno grupo sempre fiel a todas as pautas que vierem do governo, mas a maioria é construída projeto a projeto. Vários partidos e parlamentares que compartilham da ideia de maior responsabilidade fiscal e que apoiaram e continuam apoiando as reformas não são incondicionalmente alinhados com o governo e não têm cargos no Executivo; não há como confundi-los com bolsonaristas. A pauta moral seria trabalhada da mesma maneira como todas as reformas econômicas têm tramitado no Congresso: à base de muita conversa entre governo e parlamentares.
Ninguém certamente esperaria que Rodrigo Maia desse seu sinal verde para que a Câmara fosse, de repente, inundada por projetos da pauta de costumes a ponto de retirar a prioridade da agenda econômica. Mas, quando fecha completamente a porta a uma área tão importante, Maia cala a voz de milhões de brasileiros que foram às urnas em 2018 incentivados por essa mesma pauta. Esses eleitores não votaram apenas em Jair Bolsonaro; também elegeram vários deputados e senadores que fizeram dos temas morais sua plataforma. Todas essas pessoas estão vendo suas esperanças de um Congresso empenhado na defesa da vida e da família bloqueadas pela vontade monolítica de um único deputado. E nem estamos tratando de projetos sobre os quais há questionamentos legítimos mesmo dentro do campo conservador, como o Escola sem Partido, e sim de projetos cujo teor benéfico é incontestável (por mais que a oposição de esquerda queira fazer crer o contrário), como o Estatuto do Nascituro e o Estatuto da Família, ou a criminalização da homofobia de forma que fiquem respeitadas as liberdades de expressão e religiosa, bem como a objeção de consciência.
Precisamos, sim, recuperar a economia degradada por anos de “nova matriz econômica” lulopetista e por décadas de dirigismo estatal, mas também precisamos recuperar o país da degradação moral que também foi legada pelo grupo que governou o Brasil na primeira década e meia deste século. Os dois esforços podem caminhar juntos, cada um na medida certa para o momento, e Maia deveria ter essa consciência. O comando da Câmara é bem exercido quando seu detentor dá o melhor encaminhamento aos projetos que chegam à casa, não quando bloqueia unilateralmente todo um conjunto de pautas que reflete anseios da maioria dos brasileiros.
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