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Editorial

A PEC do “Orçamento de guerra”

Recuperado da Covid-19, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, retomou o comando da Casa na terça-feira (7): "Senado vai cumprir o seu papel e votar a emenda do Orçamento de Guerra para dar tranquilidade ao governo".
Recuperado da Covid-19, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, retomou o comando da Casa na terça-feira (7): "Senado vai cumprir o seu papel e votar a emenda do Orçamento de Guerra para dar tranquilidade ao governo". (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

O reconhecimento, por parte do Congresso, do estado de calamidade pública, ainda em março, era a ferramenta de que o governo federal necessitava para começar a implantar medidas que fizessem frente à pandemia do coronavírus – tanto nos gastos necessários para reforçar o sistema de saúde quanto no auxílio a empresas e trabalhadores afetados pelas políticas de isolamento social. Inicialmente, a equipe econômica avaliou ser possível usar com parcimônia o poder de gastar acima do permitido pela meta fiscal, mas logo percebeu que seria preciso colocar muito mais recursos para conter a explosão do desemprego e a quebradeira de empresas.

No entanto, situações como essas sempre trazem consigo o risco de deixar as contas fugirem totalmente ao controle e de tornar permanentes gastos que deveriam ser apenas temporários. Daí a ideia, surgida dentro do Congresso, mas com apoio explícito da equipe econômica comandada por Paulo Guedes, de alterar a Constituição para se instituir o chamado “Orçamento de guerra”, separando do Orçamento tradicional os gastos relativos ao coronavírus, permitindo ao governo um campo de ação mais amplo que o delimitado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, pela meta de déficit primário e pela “regra de ouro”, que impede o governo de se endividar para bancar despesas correntes. A exceção vale enquanto durar o estado de calamidade pública, e será criado um Comitê de Gestão de Crise, comandado pelo presidente da República, mas cujas decisões podem ser derrubadas pelo Congresso caso se avalie que elas extrapolam as funções do órgão.

O “Orçamento de guerra” dá mais segurança jurídica ao governo para fazer o que for necessário contra a pandemia, ao mesmo tempo em que preserva o restante do Orçamento e as regras muito saudáveis que o regem

O texto passou pela Câmara dos Deputados em votação realizada durante uma sexta-feira (o que é incomum para os padrões da casa) e com apoio quase unânime – 505 a 2 na primeira votação, e 423 a 1 na segunda. A sessão foi marcada por apenas duas controvérsias: sobre o uso dos fundos partidário e eleitoral no combate ao coronavírus, infelizmente rejeitado; e sobre a possibilidade de o Banco Central comprar títulos públicos e privados, questionada pelo PSol, mas mantida na proposta. No entanto, os senadores parecem mais refratários não apenas a alguns pontos da PEC, mas até mesmo ao uso do sistema de votação remota para decidir a questão, motivo pelo qual o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), vem empurrando para a frente a votação, que até o momento está prevista para ocorrer na segunda-feira, dia 13. De fato, a sessão realizada a distância prejudica a dinâmica do debate, mas não o inviabiliza totalmente; além disso, os parlamentares estão tendo o tempo que desejavam para analisar melhor a PEC e discutir seu conteúdo entre si.

“A Constituição da República não foi feita para ser alterada nos momentos de crise. Ela foi feita para ser justamente o nosso guia em momentos de crise”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Mas o que fazer quando há o risco de se instalar uma confusão orçamentária que pode ser difícil de desfazer, ou se os mecanismos constitucionais existentes deixam dúvidas a respeito de até onde o gestor pode ir? Sim, o “Orçamento de guerra” é uma solução ad hoc, costurada no calor do momento, mas, ao manter seu escopo na questão orçamentária, é uma alternativa melhor à que outros países vêm usando, ao decretar ou considerar a possibilidade de implantar estados de emergência que permitem até mesmo o cerceamento de direitos e garantias individuais, o que no Brasil equivaleria aos estados de defesa ou de sítio. Há alguns trechos que mereceriam esclarecimento, como por exemplo quais seriam os “atos de gestão praticados desde 20 de março de 2020” que seriam “convalidados”, segundo o artigo 3.º da PEC – eles incluiriam também decretos estaduais e municipais? Neste caso, seriam apenas os atos relativos ao gasto público ou também estariam contemplados decretos de constitucionalidade duvidosa, como os que impuseram toques de recolher em algumas cidades? Mesmo assim, isso não invalida o projeto como um todo.

O “Orçamento de guerra” dá mais segurança jurídica ao governo para fazer o que for necessário com o intuito de combater os efeitos sanitários e econômicos da pandemia da Covid-19, ao mesmo tempo em que preserva o restante do Orçamento e as regras muito saudáveis que o regem, como o teto de gastos. A separação evitará – ou ao menos tornará mais difícil – que, uma vez restaurada a normalidade, o gasto público não acabe contaminado por penduricalhos criados para serem emergenciais, mas que poderiam continuar vivos, comprometendo a saúde fiscal do Brasil.

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