A votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de n.º 471/2005, mais conhecida como a "PEC dos Cartórios", foi mais uma vez adiada. Tramitando na Câmara dos Deputados há quase cinco anos, a PEC dos Cartórios tem por objetivo evitar que titulares de mais de 7.800 cartórios do país sejam obrigados a deixar os postos que ocupam há mais de 15 anos.
E por qual razão as referidas pessoas deveriam deixar os seus cargos? Pelo simples e fundamental fato de que Constituição da República estabelece, em seu artigo 236, que "... os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público..." e que "o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos...".
E foi exatamente por isso que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da sua Resolução de n.º 80, de 9 de junho de 2009, declarou a vacância dos serviços notariais e de registro cujos responsáveis não tenham sido investidos em suas funções por meio de concurso público de provas e títulos, na forma prevista na Constituição Federal. Mais recentemente, no dia 22 de janeiro de 2010, a Corregedoria do CNJ publicou a relação provisória de 7.828 cartórios extrajudiciais com titularidades consideradas vagas e que, desse modo, deverão ser preenchidas mediante concurso público. Uma decisão muito bem resumida nas palavras do ministro Gilson Dipp, corregedor nacional de Justiça: "Estamos cumprindo a Constituição".
Mas depois de tantos anos, é correto que os titulares dos cartórios sejam simplesmente retirados de suas funções? Apesar de dura e difícil, a decisão realmente parece ser a mais acertada, pois temos uma Constituição Federal em vigor. Uma Constituição que precisa ser observada.
A previsão da necessidade de concurso público para o preenchimento das vagas dos serviços notariais e de registros esteve presente desde a promulgação da Constituição de 1988. Ainda que a sua regulamentação tenha ocorrido apenas em 1994, pela inércia e lentidão dos nossos representantes em Brasília, não podemos ignorar o fato de que aqueles que, entre 1988 e 1994, assumiram a titularidade de cartórios, provavelmente tinham ou deveriam ter conhecimento da previsão constitucional e, consequentemente, da não definitividade ou vitaliciedade da função que se propuseram a exercer.
Mas estamos falando de funções exercidas há 15 ou até 20 anos? É verdade. Por isso mesmo destacamos que a decisão é, inegavelmente, uma decisão dura e difícil. Todavia, o que está em jogo aqui é o interesse público do tema. O firme cumprimento da Constituição Federal e, com isso, certamente, o fortalecimento das instituições, do Estado Democrático de Direito e, em última análise, da própria nação.
A Ordem dos Advogados do Brasil já se manifestou contrariamente à aprovação da PEC, assim como também se manifestou contrariamente a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que, em documento firmado pelo seu presidente, Mozart Valadares, defendeu que a PEC "contraria frontalmente os princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e eficiência, ao mesmo tempo em que vulnera a regra de ouro que consagra a investidura na atividade dos serviços extrajudiciais pela via isonômica e republicana do concurso público".
Apesar disso, não nos iludamos. O final do primeiro ato já parece estar escrito. A PEC foi mais uma vez adiada por um acordo de líderes dos partidos. Ao que tudo indica, portanto, a votação ocorrerá apenas quando se tenha a absoluta certeza da sua aprovação. Essa deve ser a toada no âmbito do Poder Legislativo.
E o segundo ato? O segundo ato, mais uma vez, terá como protagonista o Supremo Tribunal Federal (STF), que, dia após dia, tem procurado zelar pela Constituição Federal. Caberá ao STF evitar mais uma agressão ao texto constitucional e à República. Enfim, o papel de fazer valer o texto constitucional caberá à Corte que, com uma lamentável e indesejável frequência, tem sido acionada para corrigir aberrações produzidas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.