Mais uma vez, a oposição ao presidente Jair Bolsonaro foi fundamental para que a Câmara dos Deputados aprovasse a PEC dos Precatórios na segunda votação. No dia 4 o texto havia passado por uma margem estreitíssima – apenas quatro votos a mais que os 308 necessários, com apoio de 54 deputados do PDT, PSB, PSDB, Podemos e Cidadania. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defensor da proposta, acreditava em um segundo turno mais tranquilo graças ao quórum ampliado, com a presença de deputados da base aliada que não haviam participado da primeira votação. De fato, no dia 9 a folga foi maior e a PEC passou com 328 votos; mesmo assim, a aprovação só foi possível porque aquelas mesmas cinco legendas entregaram 40 votos favoráveis. No Senado, entretanto, o texto deve encontrar muito mais resistência.
“O texto aprovado na Câmara não passa”, disse à Gazeta do Povo o vice-líder do Podemos no Senado, Oriovisto Guimarães (PR). O relator da PEC, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), que também é líder do governo na casa, já admite claramente a possibilidade de alterações no texto, o que é lido por senadores independentes como uma admissão de que o Planalto não tem os 49 votos para aprovar o texto da forma como veio da Câmara. “Se ele [Bezerra] está dizendo que está aberto [a modificar], é porque sabe que o negócio não está fácil, vai fazer alterações e é o que vai acontecer, pode ter certeza”, afirmou Izalci Lucas, líder do PSDB. Ele admite que a PEC dos Precatórios “foge um pouco da responsabilidade fiscal, não dá para empurrar com a barriga”, embora na Câmara os tucanos tenham figurado entre os oposicionistas que mais colaboraram para a aprovação do texto, com orientação favorável da bancada – os votos contrários vieram de deputados ligados ao governador paulista, João Doria, pré-candidato à Presidência da República.
O Congresso deveria perseguir com afinco o objetivo de cumprir os compromissos determinados judicialmente, criar um programa que socorra os brasileiros mais vulneráveis e manter intactas as regras de responsabilidade fiscal
Guimarães e Bezerra já confirmaram um encontro na próxima semana para discutir possíveis alterações na PEC dos Precatórios, e a intenção do senador do Podemos é buscar aquilo que deveria ter sido feito na Câmara, mas acabou ignorado: a possibilidade de bancar o Auxílio Brasil sem dar calote em quase R$ 50 bilhões em precatórios e sem gambiarras que fragilizem o teto de gastos. No entanto, o caminho escolhido por Guimarães é politicamente complicado, pois passa pela limitação das emendas de relator, a ferramenta encontrada pelo Congresso para avançar sobre mais recursos públicos e reativar o balcão de troca de apoio político por liberação de emendas. A proposta do senador do Podemos inclui limitar o valor dessas emendas a 0,5% da Receita Corrente Líquida, o que corresponderia a pouco menos de R$ 8 bilhões no orçamento de 2022 – valor bem menor que o destinado a esse tipo de emenda nos orçamentos de 2021 e 2020. E talvez até esta quantia ganhe destinação diferente, dependendo da destinação definitiva que o STF dê às emendas de relator, provisoriamente suspensas após julgamento concluído no dia 10.
À Gazeta, Oriovisto Guimarães afirmou que “nós já temos dinheiro suficiente para fazer tudo sem furar o teto e sem dar calote em ninguém”. Ainda que sua proposta específica não seja incorporada na PEC dos Precatórios, não há dúvida nenhuma de que o Congresso deveria perseguir com afinco o objetivo de cumprir os compromissos determinados judicialmente, criar um programa que socorra os brasileiros mais vulneráveis e manter intactas as regras de responsabilidade fiscal. Se para implementar o Auxílio Brasil for preciso rever o ajuste fiscal e dar calote em precatórios, as consequências para os brasileiros mais pobres serão ainda mais cruéis, na forma de mais inflação, menos investimento – consequentemente, menos emprego e menos renda – e menos crescimento econômico.
O Senado fará um favor ao país se for capaz de anular os aspectos negativos da PEC dos Precatórios, impedindo que o Brasil fique com a imagem de país que inspira desconfiança ao não cumprir seus compromissos e ignorar a responsabilidade fiscal em nome da crença na geração espontânea de dinheiro público. Os brasileiros mais miseráveis não precisam apenas de auxílio imediato na forma de transferência de renda; precisam que o país lhes dê condições de deixar a pobreza por meio do trabalho, o que só será possível se o Brasil for um destino confiável para investimentos e for capaz de crescer de maneira constante e sustentável.