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Editorial

A perseguição a Deltan Dallagnol, à Lava Jato e a hora da mobilização popular

(Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

Depois de ter sua candidatura cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) numa decisão que, como já mostramos, distorce a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) e a Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar 64/90), Deltan Dallagnol agora se defronta com uma situação digna de Franz Kafka. Em seu romance O Processo, o escritor tcheco descreve o pesadelo vivido por Josef K., processado pela Justiça, e que não consegue saber nem ao menos o crime pelo qual é acusado. Pois bem, Dallagnol foi intimado pela Polícia Federal a depor nesta sexta-feira (2) e não tem ideia do motivo do depoimento.

Na intimação recebida pelo deputado, as informações são absolutamente vagas. Há apenas a menção de que a ordem partiu da “Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores”, setor da PF responsável pelas investigações de inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não há informação se o deputado será ouvido como testemunha, vítima ou acusado, nem sobre o que deverá se explicar, muito menos a qual inquérito a oitiva estaria relacionada.

Ao longo de sua atuação, a Lava Jato fez muitos inimigos, especialmente aqueles que tiveram seus conluios e maracutaias expostas.

Em outra frente, a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou nesta semana um procedimento de fiscalização na 13ª Vara Federal de Curitiba e nos gabinetes de magistrados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde correm processos decorrentes da Operação Lava Jato. O motivo principal seria a “existência de diversas reclamações disciplinares apresentadas ao conselho ao longo dos últimos dias”, mas sem especificar quais seriam tais reclamações.

Na verdade, a correição será realizada para atender a um pedido feito pela defesa do juiz Eduardo Appio, que tomou o lugar de Sergio Moro na análise dos processos da Lava Jato. Appio foi afastado da 13ª Vara Federal após denúncias de ser o autor de uma tentativa de intimidação – em uma suposta ligação, feita anonimamente – ao filho do desembargador Marcelo Malucelli, do TRF4. O juiz afastado, que sempre foi um crítico da Operação Lava Jato e defensor da inocência de Lula, vinha tomando uma série de medidas com o claro intuito, dentro dessas convicções, de desmoralizar a operação. Agora, mesmo depois de provas importantes, e surreais, de um comportamento impróprio, tem seu pedido atendido. Não será surpresa, dados os estranhos tempos que estamos vivendo, que ele mais à frente seja inocentado e recupere seu posto.

Uma atuação firme e comprometida com a defesa dos interesses do Brasil é o mínimo que se espera de nossos deputados e senadores.

Embora aparentemente sem conexão, as duas ações encontram um fio condutor comum: a tentativa descarada de colocar uma pá de cal na Operação Lava Jato, que conseguiu desvendar o monstruoso e fétido esquema de corrupção envolvendo estatais comandadas pelo PT e partidos aliados, empreiteiras e políticos. Primeiro, o foco foi reverter os resultados da força-tarefa, com uma enxurrada de “descondenações”, incluindo a do próprio presidente Lula, cujos processos acabaram anulados. Agora, a estratégia foca na perseguição descarada aos membros e apoiadores da força-tarefa, com a possibilidade de tornar-lhes a vida um verdadeiro inferno.

Ao longo de sua atuação, a Lava Jato fez muitos inimigos, especialmente aqueles que tiveram seus conluios e maracutaias expostas e que, pela primeira vez, se viram alvos da Justiça. Não à toa, a população, cansada de ser abusada e explorada por corruptos, foi uma ardorosa apoiadora da operação, por entender que, finalmente, a corrupção generalizada não ficaria mais impune. Era de se esperar que uma reação acontecesse: os corruptos não iriam deixar de usar todo o seu poder para tentar manter seus esquemas ímpios de vantagens e propinas. Nenhuma surpresa, portanto, que buscassem de todas as formas possíveis tentar enlamear os trabalhos da Lava Jato e dos promotores e juízes que nela atuaram. O que causa preocupação, porém, é, de um lado, que esse movimento nefasto tenha encontrado eco em inúmeros outros agentes públicos não diretamente ligados aos casos desvendados pela Lava Jato. Não fazemos aqui um julgamento da boa ou má-fé dos autores desse tortuoso modus operandi. O fato é que, por uma cegueira e distorções incompreensíveis, injustiças trágicas vêm sendo sistematicamente cometidas. De outro lado, a preocupação decorre da apatia da sociedade, que parece não perceber a gravidade dos abusos cometidos em nome desse projeto de vingança contra aqueles que simplesmente fizeram o que se esperaria da Justiça, ou seja, punir corruptos e salvaguardar o erário público.

Dallagnol foi intimado pela Polícia Federal a depor nesta sexta-feira (2) e não tem ideia do motivo do depoimento.

É compreensível que diante dos constantes atentados contra os direitos fundamentais promovidos pelas instâncias que, ao menos em tese, deveriam justamente proteger esses direitos, um sentimento comum dos cidadãos brasileiros – e aqui falamos de todo homem ou mulher que se preocupa com os rumos do país – seja o desalento. Mas por mais difícil que sejam o cenário e as perspectivas de mudança no curto prazo, é preciso insistir e buscar maneiras de colocar fim a esses abusos. Não é à toa que a máxima de que o mal reina quando os bons se calam é tão verdadeira: o silêncio dos bons cidadãos é tudo o que qualquer tirano – seja um político ou não – mais deseja para continuar a cometer seus desmandos. É por isso que defendemos a ideia de que é preciso manter acesa a chama da indignação contra os descalabros que, infelizmente, infestam o Brasil, dos quais a perseguição a Deltan Dallagnol e outros integrantes da Lava Jato é um exemplo irrefutável.

Neste mês, completam-se 10 anos das chamadas jornadas de junho, onde milhares de brasileiros foram às ruas mostrar sua indignação e cobrar uma resposta do poder público. Não temos dúvida de que a situação atual do nosso país mereceria uma ação de maior porte. Para o próximo domingo, dia 4 de junho, há a previsão de uma mobilização contra a cassação do deputado Dallagnol e todos os abusos contra as liberdades em nosso país. Divergências entre diferentes lideranças mais à direita do espectro político talvez impeçam que ela tenha a magnitude que deveria ter. São vicissitudes próprias de uma democracia. Isso, no entanto, não deve desanimar quem tem a convicção e a consciência de que é necessário fazer o que está ao alcance de cada um. Se muitos eventualmente deixarem de comparecer – pela razão que for –, a manifestação, ainda que não tão grande quanto se desejaria, pode ser o início de um paulatino movimento de conscientização e mobilização.

E, além da mobilização nas ruas, há muitos outros caminhos possíveis que os cidadãos, aqueles que se importam com os rumos do Brasil, podem seguir para dar voz à sua indignação e lutar por mudanças. Não é à toa que tantos governos antidemocráticos busquem cercear as comunicações e as redes sociais: elas são, hoje, um instrumento importante na defesa da democracia. Se antes os cidadãos raramente tinham contato com seus representantes eleitos, e só podiam manifestar seu apoio ou desagrado a cada eleição, através do voto, agora é possível cobrar posicionamentos e ações continuamente. Boa parte das questões que hoje afligem o país, como a falta de equilíbrio entre os Poderes, os abusos cometidos pelo Judiciário, os ataques às liberdades, passam, mais cedo ou mais tarde, pelo Parlamento.

Uma atuação firme e comprometida com a defesa dos interesses do Brasil é o mínimo que se espera de nossos deputados e senadores. Por isso, cabe ao cidadão – usando as redes sociais, por exemplo – lembrar-lhes, insistentemente, de seu papel. Uma mensagem de um eleitor pode chacoalhar o comodismo, passividade, cegueira e, eventualmente, falta de retidão de um parlamentar. A sociedade não pode deixar de exigir que deputados e senadores tenham, dentro do Congresso, neste momento histórico, consciência de sua força e de seu papel na defesa do Estado Democrático de Direito.

Como dissemos, não é um caminho fácil e os resultados podem demorar a chegar. Mas é preciso dar o primeiro passo e insistir o quanto for necessário. É o futuro do país que está em jogo.

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