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Editorial

A persistência do déficit primário

O ministro Paulo Guedes.
O ministro da Economia, Paulo Guedes. (Foto: Marcos Corrêa/PR)

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Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Em janeiro de 2019, o ministro Paulo Guedes afirmava que o déficit orçamentário brasileiro poderia ser zerado já no primeiro ano de governo Bolsonaro, graças à reforma da Previdência, ao megaleilão do pré-sal e às privatizações. No papel, o cenário era bem diferente: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019 previa um déficit primário de até R$ 139 bilhões, pior que os R$ 120 bilhões de 2018. No fim, o resultado do ano esteve bem longe do “déficit zero” dos sonhos de Guedes, mas também não chegou perto da previsão da LDO: o rombo foi de R$ 95,1 bilhões, ou 1,3% do PIB – e sempre é preciso lembrar que o déficit primário não inclui os gastos com pagamentos de juros da dívida, que tornam os números ainda piores.

A explicação do ministro sobre como seria possível zerar o déficit primário revela um problema que já se tornou crônico no Brasil pós-desastre econômico petista. Dos três fatores citados por Guedes, apenas um, a reforma da Previdência, é uma alteração estrutural. Tanto as privatizações quanto o megaleilão do pré-sal são receitas de ocasião, que não se repetem, mas se tornaram imprescindíveis para impedir que o buraco se torne ainda mais fundo. Nos anos finais do governo petista, concessões, programas de renegociação de dívidas e outros leilões que pudessem colocar algum dinheiro nos cofres do Tesouro simplesmente substituíram qualquer esforço de ajuste fiscal. O desespero chegou ao ponto de o governo jogar fora a oportunidade do leilão da frequência de 700 MHz para a telefonia 4G, apressando sua realização em 2014 simplesmente por razões orçamentárias, como admitiu à época o próprio secretário do Tesouro, Arno Agustin. Como resultado, os lotes foram todos arrematados pelo lance mínimo e a arrecadação final ficou abaixo do previsto.

O Brasil só voltará a ter repetidos superávits primários quando sua causa primeira for o enxugamento das despesas habituais do Estado

Desde o governo Temer, é verdade, a caça às oportunidades de incrementar a receita de forma extraordinária está convivendo com um ajuste fiscal digno do nome, iniciado com o teto de gastos, e que continua no governo Bolsonaro, com a reforma da Previdência, o programa de concessões e privatizações, a reforma administrativa e as PECs do Programa Mais Brasil. Mesmo assim, ao se destrinchar os dados do déficit primário de 2019 é possível perceber o quanto o país continua dependente das receitas de ocasião, como os R$ 23,7 bilhões resultantes do megaleilão do pré-sal. “A maior parte do resultado [abaixo da meta] foi de receita extraordinária”, afirmou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, colocando ênfase na necessidade de prosseguir com o ajuste fiscal.

E este é o caminho. Não há por que o poder público estar diretamente presente em várias atividades econômicas. Há muitas empresas a privatizar – inclusive “joias da coroa”, como a Eletrobrás – e concessões de infraestrutura a fazer, mas o Brasil só voltará a ter repetidos superávits primários quando sua causa primeira for o enxugamento das despesas habituais do Estado, e não o sucesso de leilões que só ocorrem uma vez.

No entanto, isso deve demorar. Os efeitos da reforma da Previdência, por exemplo, só devem ser sentidos no médio e longo prazo – o rombo subiu 10% em 2019, para R$ 318,4 bilhões, somando o INSS e os regimes de servidores públicos. A reforma administrativa, se aprovada como deseja o governo, também só começará a dar frutos à medida que os atuais servidores forem se aposentando e sendo substituídos por novos funcionários, submetidos às novas regras. A PEC Emergencial, como o próprio nome diz, pode permitir um ajuste mais imediato, mas insuficiente para girar totalmente o transatlântico brasileiro para a direção correta.

Segundo as previsões do governo e de organismos internacionais como o FMI, se tudo der certo, o Brasil só voltará a ter superávit primário em 2022 ou 2023. O “se” faz toda a diferença: as privatizações e concessões precisam continuar avançando, e o governo tem de vencer as batalhas parlamentares e midiáticas para se desfazer de empresas grandes. Os leilões do pré-sal devem voltar a ser atrativos para o capital estrangeiro, sob pena de desperdiçarmos a riqueza que temos no fundo do oceano. Mas o principal é a aprovação das reformas que redesenham o Estado brasileiro. Considerando apenas as despesas e receitas “habituais”, não extraordinárias, não há como o país seguir gastando mais do que arrecada ano após ano.

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