Está nas mãos da nova presidente do STF, Cármen Lúcia, colocar ou não na pauta da corte um julgamento crucial para o respeito à vida no Brasil: trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5581, proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos e que pede a liberação do aborto caso a mãe tenha o vírus zika – que, sabe-se, pode causar microcefalia na criança. O detalhe macabro do pedido dos defensores públicos está no fato de que, ao contrário da eugenia aprovada pelo próprio STF nos casos de anencefalia, o que se está a solicitar agora é praticamente uma eugenia preventiva.
A microcefalia só pode ser detectada na segunda metade da gravidez – os diagnósticos mais precisos ocorrem já no estágio final da gestação. Aparentemente, até mesmo os defensores públicos consideram que matar uma criança indefesa e inocente nos meses finais de sua formação seria – como de fato é – uma crueldade. Mas, em vez de estender esse raciocínio aos nascituros mais novos, igualmente humanos, igualmente indefesos e inocentes, os proponentes da ADI resolveram inverter completamente a lógica e adotar uma postura ainda mais nefasta que a defesa da eliminação dos bebês comprovadamente microcefálicos: a ação quer que a gestante com zika passe a ter o “direito” de matar seu filho independentemente do diagnóstico do bebê. Ele pode ser perfeitamente saudável e mesmo assim poderia ser morto porque, no fundo, é melhor não esperar até o fim da gravidez para ter certeza do seu real estado de saúde. Na dúvida, mate-se – é isso que desejam os abortistas por trás da ADI 5581.
Quem carrega um filho com microcefalia precisa de apoio, e não de alguém que as incentive a negar ao bebê o direito de nascer
- Microcefalia e eugenia (editorial de 1.º de fevereiro de 2016)
- Um novo nome para uma velha fantasia (artigo de Francisco Razzo, publicado em 23 de janeiro de 2016)
- As Paralimpíadas e o aborto em caso de zika (artigo de Lenise Garcia, publicado em 17 de setembro de 2016)
- Mais amor para os “sub-humanos” (artigo de Paulo Starke Junior, publicado em 2 de fevereiro de 2016)
- A agenda abortista (artigo de Carlos Alberto Di Franco, publicado em 29 de fevereiro de 2016)
O tema colocou em lados opostos a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República. O parecer da AGU apenas recorda o óbvio: a microcefalia não é, de forma alguma, um problema incompatível com a vida, e as crianças com essa anomalia merecem ter seu direito à vida protegido pela legislação. Já a PGR alega que gestar um filho com microcefalia poderia ser visto até mesmo como uma forma de “tortura” da mulher. Infelizmente, perde-se de vista aqui a correta hierarquia dos bens: não há o menor sentido em sobrepor o bem-estar mental de uma pessoa ao direito à vida de outra. Se este raciocínio é válido em qualquer circunstância do convívio social, ainda mais o é no caso em que o potencial eliminado, como já dissemos, é indefeso e inocente. A argumentação da PGR inclusive omite que, ao propor o direito ao aborto, transforma-se a mulher em corresponsável por um assassinato – o que não elimina a angústia, mas a perpetua, como lembrou a professora da UnB Lenise Garcia em artigo na Gazeta do Povo – e, no caso específico da ADI 5581, adiciona-se ao fato de saber-se responsável pela morte do próprio filho uma dúvida que jamais será esclarecida: sabendo-se que apenas 1% das gestações em que a mãe tem zika resultarão em filhos com microcefalia, ela terá eliminado uma criança realmente portadora da doença ou um bebê anatomicamente perfeito?
No fundo, trata-se de usar a dor – que é real e não pode ser desprezada – das mulheres que carregam um filho com microcefalia para promover uma agenda que nega o direito à vida a qualquer nascituro, independentemente de suas condições. No caso da anencefalia, alegava-se a impossibilidade de vida fora do útero para se defender a eliminação deliberada de seres humanos. Agora, mesmo doenças que não são fatais – ainda mais que isso: a mera possibilidade de o filho ter tais doenças – servirão de pretexto para o aborto. Não há como descrever essa situação com outra palavra a não ser “perversidade”.
As mães que se sabem grávidas de um filho com microcefalia – ou com qualquer outra anomalia – precisam de acolhimento e apoio psicológico e, se for o caso, financeiro; o que não precisam é de alguém que as incentive a negar ao filho o direito de nascer. E uma criança não pode ser resumida a uma condição física ou mental: ela é muito mais que isso, é uma vida que merece ser vivida em todo o seu potencial, seja qual for. Que nossa sociedade e nossos magistrados saibam reconhecer essa verdade evidente.