No ano que vem, o Brasil terá eleições para escolher presidente e vice-presidente da República, governadores e vice-governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais. Eleição é sempre época de discursos, debates, análises, promessas e planos de governo, atividades que já começaram e serão ampliadas sobretudo após o fim do ano. Como regra geral, os candidatos ajustam suas falas e promessas àquilo que dá votos, já que o objetivo principal é ser eleito. Os problemas complexos e os assuntos espinhosos são evitados e os discursos em geral não refletem o que os candidatos eleitos farão a respeito. Como muitos candidatos vão disputar sua reeleição, já está havendo discursos e propostas de aplicação imediata, em muitos casos com fortes temperos de populismo e demagogia.
Neste momento de crise no campo da energia e dos combustíveis, alimentada pela grave falta de chuvas e pela inflação internacional dos preços do petróleo, têm surgido disparatadas propostas, principalmente as destinadas a combater as altas de preços dos derivados do petróleo. Como sempre ocorre nestes momentos, a Petrobras é colocada no epicentro da confusão, recebendo ataques de diversos lados – o mais recente veio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). No meio das polêmicas envolvendo tais assuntos, falar em privatização da Petrobras tornou-se um tabu, a ponto de todos os candidatos fugirem de qualquer manifestação a respeito, a não ser para se posicionar contra qualquer discussão sobre privatização.
Registre-se a exceção do governador de São Paulo, João Doria, pré-candidato tucano à Presidência, que, em entrevista concedida a uma emissora de Sergipe, em 15 de setembro, afirmou: “Se eleito presidente da República, eu vou privatizar a Petrobras. Falando com toda clareza e toda calma. E vamos privatizar em lotes. Não é para fazer de uma Petrobras hoje monopolista, pública e estatal, uma Petrobras monopolista privada. Ela será dividida em várias empresas. Como é nos Estados Unidos”. Outra proposta que circulou nas últimas semanas teria sido levantada como hipótese, pela qual o governo destinaria os dividendos que a União recebe da Petrobras para formar um fundo regulador dos aumentos de preços quando decorrentes da subida dos preços internacionais do petróleo.
Qualquer ideia para se abrir o mercado brasileiro de petróleo e combustíveis merece ser discutida sem posição a priori, sem fanatismo e sem tabu, como esse assunto – especialmente o da privatização da Petrobras – fosse proibido
Abrir o mercado brasileiro de petróleo e combustíveis é algo que pode ser feito ou privatizando a Petrobras, seja inteira ou em lotes; ou mantendo a estatal, mas oferecendo condições para que empresas privadas possam competir de igual para igual, acabando de vez com um monopólio que, na lei, foi extinto em 1997, mas permaneceu na prática. Qualquer ideia neste sentido merece ser discutida sem posição a priori, sem fanatismo e sem tabu, como esse assunto – especialmente o da privatização – fosse proibido, uma espécie de divindade sobre a qual não se pode falar. O período eleitoral, no entanto, é o menos indicado para um embate intelectual dessa natureza, justamente pela predominância dos discursos populistas cujo foco é o voto. Mesmo assim, é melhor que se fale a respeito agora, no mínimo para ir quebrando o tabu e desfazer o estigma de assunto intocável. Uma informação relevante em meio a esse problema é que, em abril de 2020, o preço do barril de petróleo no mundo rondava os US$ 23 e, atualmente, um ano e meio depois, anda na casa dos US$ 75.
Outro tema mal explicado é a crença na autossuficiência brasileira em petróleo, pois a autossuficiência não diz respeito apenas ao fato de a produção nacional equivaler, em barris, ao consumo nacional. Não existe apenas um tipo de petróleo. Há o petróleo leve e o petróleo pesado, que exigem estruturas diferentes para extrair e industrializar. Para ajustar a matéria prima à estrutura industrial nacional, o Brasil exporta petróleo e importa petróleo, além de a Petrobras ser uma empresa internacional, ter acionistas internacionais, depender de fornecimentos internacionais e fazer operações de crédito em outros países. A empresa não tem como viver isolada do mundo.
Quanto à hipótese de o governo federal usar os dividendos que recebe da Petrobras para formar um fundo amenizador das flutuações de preços, há de se lembrar o seguinte: a União detém 50,3% do capital com direito a voto, o que lhe dá o controle sobre a empresa; no entanto, do capital total da empresa, a União detém apenas 28,7% – logo, 71,3% do capital é representado por ações em poder do público. Assim, vale mencionar que os dividendos pagos pela companhia são uma fração dos lucros (a lei das sociedades por ações define que no mínimo 25% dos lucros devem ser pagos aos acionistas como dividendos) e, dessa fração, menos de um terço pertence ao governo federal, pois os dividendos são proporcionais às ações detidas pelo acionista.
A proposta velha e repetida de controlar os preços dos combustíveis, como fez Dilma Rousseff com consequências desastrosas para a empresa, mereceu de Joaquim Silva e Luna, presidente da Petrobras, imediato rechaço: “se o preço for represado, vai haver desabastecimento de combustível”, afirmou. De qualquer forma, toda discussão é boa, principalmente se ocorrer com base em fatos, dados e conhecimento do problema. Mas a Petrobras se tornou tão intocável que, nas duas campanhas eleitorais que elegeram Lula, o PT resolveu acusar seus adversários de terem planos para privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Com medo de perder votos, os adversários vieram a público assumir o compromisso explícito de não privatizar qualquer dessas empresas – em 2006, o tucano Geraldo Alckmin chegou a vestir um macacão repleto de logomarcas de estatais.
O discurso de Lula e do PT é velho e batido. Eles vivem afirmando que seus adversários querem vender o patrimônio público e que isso seria contra o povo. Uma voz dura discordante desse discurso foi levantada pelo economista Roberto Campos, ministro, embaixador, senador e deputado federal, ao dizer que mais cedo ou mais tarde a sociedade iria se dar conta de que até mesmo essas empresas seriam mal usadas pelos governantes, e seria bom privatizá-las. Roberto Campos foi profético, pois a Petrobras foi saqueada pelos crimes do petrolão e pelos prejuízos com a interferência da presidente Dilma Rousseff, que nomeou dirigentes amadores para comandar a empresa, passou a interferir nas decisões estratégicas, congelou os preços dos derivados de petróleo por quatro anos, provocou a redução dos investimentos, a piora dos indicadores financeiros, o baixo crescimento da produção, a desconfiança dos investidores nacionais e estrangeiros e a decadência daquela que era uma empresa próspera e lucrativa. Quando surgiram notícias de que a Petrobras enfrentava problemas de caixa e estava atrasando pagamentos a fornecedores, o mercado passou a desacreditar no futuro da empresa e os preços de suas ações despencaram.
Se o problema é complexo, se não existem soluções mágicas, se o Brasil insiste em ter praticamente somente uma empresa estatal e monopolista num setor tão importante, faz-se urgente obter informações, estudar a questão, debater todo o cenário, analisar hipóteses contrárias e informar os detalhes ao público, pois a mania de ficar na superfície rasa do assunto, que é difícil, e lançar propostas com fins meramente eleitoreiros não faz bem nenhum ao país.