Ouça este conteúdo
Sempre que a Petrobras é colocada no epicentro de alguma crise, dois temas voltam aos debates: a questão dos monopólios estatais e a hipótese de privatização da própria Petrobras. O presidente Lula quase conseguiu jogar no lixo a Lei das Estatais aprovada no governo Temer, e que criava vedações para certas categorias de nomeações políticas aos cargos de diretores e conselheiros das estatais; depois de tentar, sem sucesso, revogar esses dispositivos via Congresso, Lula foi ao STF e conseguiu uma liminar que lhe permitiu fazer várias nomeações que contrariavam a lei. Aparelhou de novo as estatais, e o plenário do STF, em uma decisão esdrúxula, uma verdadeira jabuticaba jurídica, restaurou os dispositivos que Ricardo Lewandowski havia derrubado, decidindo que a lei era constitucional, mas preservou as nomeações contra legem feitas pelo presidente da República durante a vigência da liminar, dizendo na prática que a lei vale, menos quando se trata de Lula.
Esse episódio alimentou a volta da discussão sobre os monopólios estatais e, mais especificamente, sobre o monopólio da Petrobras, cujo presidente acaba de ser substituído por não fazer exatamente tudo que o governo quer; sua substituta, bem mais alinhada com as ideias de Lula, já teve o nome aprovado pelo Comitê de Pessoas e pelo Conselho de Administração da estatal.
Os monopólios podem ser classificados em três tipos. Os monopólios naturais são aqueles que dependem de uma rede de distribuição tecnicamente impraticável de ser feita por várias empresas, como é o caso da oferta de energia, água e esgoto. Os monopólios legais são aqueles que somente existem em função de lei que dá a uma só empresa o direito de explorar determinada atividade, protegendo-a da concorrência. Esse tipo em geral é problemático, pois, não sendo obrigada a competir, a empresa monopolista não precisa ser eficiente nem prestar um bom serviço para existir e ter lucro. Por fim, há os monopólios técnicos, aqueles em que uma dada empresa atingiu uma escala tão gigantesca que, mesmo sendo livre o ingresso no ramo por possíveis concorrentes, torna-se quase impossível competir com a empresa monopolística, entre outros motivos porque ela pode vender seu produto por um preço muito menor que o de qualquer concorrente que não tenha a mesma escala de produção da empresa monopolista.
A criação de uma empresa estatal de petróleo pode ser defensável sob certos aspectos, porém não o monopólio. A Petrobras nunca se livrou de interferências políticas deletérias e, em vários momentos, apresentou resultados ruins e custos elevados, jogando tudo nas costas do consumidor sem que este pudesse comprar de outros fornecedores. A Petrobras tem vários méritos: apresentou progresso tecnológico em momentos cruciais, como foi o caso da descoberta do pré-sal, mas nem sempre foi assim. Certa feita, angustiado com as notícias sobre a ineficiência da Petrobras, o presidente Castelo Branco afirmou: “Se a Petrobras é eficiente, ela não precisa do monopólio; se é ineficiente, não o merece”.
Embora a decisão de criar uma empresa estatal de petróleo possa ter sido acertada dadas as circunstâncias da época, não havia razão para criar o monopólio estatal e impedir que empresas privadas nacionais ou estrangeiras atuassem no setor. A proposta original enviada por Getúlio Vargas ao Congresso Nacional, em 1951, previa a criação de uma estatal, mas sem monopólio, e ainda admitia a participação estrangeira na Petrobras. Foi o Congresso que introduziu a cláusula monopolista sob discursos inflamados em nome da defesa da pátria. Na prática, essa cláusula condenava o Brasil a seguir na dependência do fornecimento externo.
Se à época não houvesse sido criado o monopólio, alguns benefícios teriam sido gerados. A Petrobras teria de se submeter à competição, o que seria bom para a própria estatal; haveria entrada de tecnologia estrangeira, o que ajudaria a apressar a produção e baratear custos; capitais internacionais seriam atraídos para o Brasil, algo importante para um país pobre e carente de investidores; e o Brasil teria reduzido significativamente a dependência em relação ao petróleo importado.
No papel, o monopólio da Petrobras acabou em 1997. Na prática, ele continua especialmente na área de refino, já que poucas empresas privadas têm a capacidade de concorrer com a estatal, ou seja, passou-se de um monopólio legal para um monopólio técnico. O plano de desinvestimento da empresa, iniciado no governo Temer com Pedro Parente à frente da Petrobras, previa a venda de refinarias para que a empresa se concentrasse na extração, atividade que realiza com excelência. No entanto, essa política foi revertida com a chegada de Lula ao governo, e a tendência é de que os poucos players privados que atuam com refino no Brasil encontrem ainda mais dificuldade de competir com uma empresa que tem até mesmo a capacidade de, por conveniência política, não repassar ao consumidor aumentos nos preços internacionais, absorvendo prejuízos que as empresas privadas, menores, não têm como suportar sem quebrar.
Pelo desempenho da Petrobras nos primeiros 20 anos de sua existência como empresa monopolista, ficou claro que o monopólio manteve o país atrasado na prospecção e retardou a autossuficiência. Prova disso é que, em 1973, quando os preços do barril explodiram, as importações representavam 75% do petróleo consumido internamente, fazendo que a economia brasileira entrasse em recessão e a dívida externa explodisse. A autossuficiência somente viria a ser alcançada após 45 anos da aprovação do monopólio, e mesmo assim é uma autossuficiência meramente quantitativa, no sentido de constatar que a produção nacional é igual ao consumo nacional em quantidade de barris produzidos.
O problema da autossuficiência esbarra no fato de que não existe apenas um tipo de petróleo. O petróleo leve e o petróleo pesado exigem estruturas diferentes para sua extração e industrialização, e as refinarias brasileiras não foram construídas para processar o petróleo pesado, de forma que a Petrobras exporta petróleo e importa petróleo para ajustar a matéria-prima à estrutura industrial nacional. Além desses problemas, a Petrobras vem há tempo sofrendo com o uso político da empresa pelo governo federal, principalmente com as nomeações e demissões constantes de pessoas sem a qualificação para a complexidade dos cargos da companhia.
O uso político indiscriminado é danoso à empresa e também a seus milhões de acionistas privados. Vale lembrar que o Tesouro Nacional mais o BNDES são donos de apenas 36,6% das ações da Petrobras, pois 63,4% das ações pertencem a acionistas privados, pessoas físicas e pessoas jurídicas. O governo detém o controle da companhia porque seus papéis representam 50,3% das ações com direito a voto. Empresas estatais têm o problema intrínseco do seu mau uso por políticos e, no caso de monopólios, mais ainda por agirem sem ter de enfrentar a concorrência. A Petrobras é apenas o símbolo maior de quanto uma empresa estatal pode ser objeto dos males típicos da gestão feita por governos e pela interferência da política partidária.