No dia 29 de outubro, o PMDB divulgou um documento do partido sob o título de “Uma ponte para o futuro”, uma espécie de diretriz para um programa de governo. Trata-se de estratégia do partido para se distanciar da política econômica adotada pelo governo Dilma e anunciar as linhas de uma eventual candidatura própria à Presidência em 2018. No documento, o PMDB condena claramente os pilares do modelo assumido nos dois mandatos de Dilma Rousseff e, de forma surpreendente, rompe com seu próprio passado de partido nacionalista, estatizante e intervencionista, para assumir ideias e políticas liberais.
As críticas ao modelo adotado pelo PT – inclusive condenando certas práticas adotadas nos dois mandatos de Lula – são amplas, profundas e não deixam margem a dúvidas. O documento reconhece que o mundo mudou e que o país precisa se inserir no contexto internacional, aderir à globalização, atrair investimentos estrangeiros, dar segurança jurídica aos investidores internacionais, estimular os negócios privados, buscar acordos comerciais com o mundo desenvolvido e criar condições para os negócios privados e os investimentos empresariais em todos os setores da economia, inclusive na infraestrutura.
O partido reconhece que o velho modelo estatizante praticado na América Latina faliu mais uma vez
Ao contrário do que pregavam caciques do partido no passado, com base nas ideias de economistas da Universidade de Campinas – cujo viés era nitidamente estatizante, intervencionista e adepto de déficits orçamentários –, o documento dá uma guinada ampla: propõe austeridade fiscal, equilíbrio das finanças públicas, ajustes nas contas atuais e controle da dívida pública; e condena novos aumentos de impostos. No tempo do Plano Cruzado – implantado em fevereiro de 1986 pelo presidente José Sarney, do PMDB –, os economistas do partido apareciam na televisão defendendo mais gasto público e diziam com todas as letras que o déficit fiscal não era importante, enquanto propunham expansão da estatização e controle das atividades privadas, em particular com os congelamentos de preços que ficaram famosos nos anos 80.
O mais surpreendente no documento do PMDB é a informação clara de que o país precisa retomar a privatização de atividades empresariais sob o controle do Estado, rever o modelo de partilha adotado na exploração do pré-sal e fazer reformas na Previdência Social, inclusive propondo idade mínima de aposentadoria pelo INSS de 65 anos para homens e 60 para as mulheres. O partido dá uma forte guinada liberal e reconhece que o velho modelo estatizante, intervencionista, antiempresarial e protecionista praticado na América Latina faliu mais uma vez e não é mais solução alguma para o atraso e a pobreza.
O PMDB nunca foi um partido nitidamente marxista, mas sempre professou um ideário estatizante, intervencionista e antiglobalização, com viés de forte tutela sobre a sociedade, e seus líderes mais proeminentes em geral vinham de origem socialista. Em alguns momentos da vida nacional, o partido ensaiou reconhecer que tanto o socialismo marxista quanto o modelo excessivo estatal não eram soluções viáveis. Agora, na forma de um documento a ser aprovado na reunião do próximo dia 17 de novembro, o partido adota a mesma postura e faz profissão de fé em um modelo econômico moderno, liberal, internacionalista e menos estatizante.
O problema do PMDB não está no teor das teses professadas no documento, mas sim em convencer a sociedade de que o partido entendeu que a realidade atual do Brasil e do mundo é outra, que é preciso adotar um modelo de mais liberdade econômica e mais abertura e que não está blefando apenas em busca de uma chance real de chegar à Presidência com candidatura própria. Esse trabalho de convencimento é duro especialmente pelo fato de o documento certamente não ser consenso nem mesmo dentro da legenda – ou alguém imagina um Roberto Requião aderindo ao ideário nele proposto?
O PMDB é um dos dois maiores partidos do país, está sempre no poder, mas nunca conseguiu eleger um presidente da República em eleições diretas. Se o documento divulgado pelo PMDB for para valer, o partido entendeu que não pode ser algo parecido uma hora com o PT, outra hora com o PSDB, e partiu para tentar algo que o Brasil nunca foi: um país de estrutura econômica liberal a favor de um modelo capitalista moderno, sem perder a preocupação social. Só o futuro dirá.
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