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Editorial

A ponte e o investimento em infraestrutura

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A Ponte Juscelino Kubitschek, entre o Tocantins e o Maranhão, desabou em 22 de dezembro. (Foto: Caio Marvão/Governo do Maranhão)

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Nem mesmo o mais empedernido estatista, no governo Lula ou fora dele, haverá de negar que, hoje, o Estado brasileiro não tem a menor condição de administrar bem a infraestrutura de transporte, mantendo-a e expandindo-a. Caso alguém ainda tivesse dúvidas a respeito do assunto, as imagens da Ponte Juscelino Kubitschek, na BR-226, entre o Maranhão e o Tocantins, deveriam servir como argumento definitivo. Parte da estrutura sobre o Rio Tocantins desabou em 22 de dezembro, deixando mortos e desaparecidos; caminhões que passavam pela ponte na hora do desabamento carregavam produtos tóxicos, contaminando o rio.

Ainda que algumas tragédias sejam imprevisíveis, e que rodovias entregues a concessionárias não estejam imunes a catástrofes (como o deslizamento de terra na BR-376, entre Paraná e Santa Catarina, em novembro de 2022), o caso da Ponte Juscelino Kubitschek não é uma anomalia, nem deve ser descartado como mera evidência anedótica. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) estava ciente dos riscos à ponte desde 2019, mas só em 2024 o governo federal promoveu uma licitação para a reforma, sem que nenhuma das empresas participantes saísse vencedora, por descumprimento das exigências do certame. O jornal Folha de S.Paulo apurou que uma em cada oito pontes em estradas geridas pela União está em situação idêntica ou pior que a Juscelino Kubitschek. A estrutura sobre o Rio Tocantins estava na categoria 2 (“ruim”) na escala do Dnit, mesma situação de quase 600 outras pontes Brasil afora; na categoria 1 (“crítico”) há 130 pontes, o dobro do número de pontes classificadas na categoria 5 (“ótimo”).

Uma infraestrutura defasada de transporte é mortal para o setor produtivo, que se torna menos competitivo

Diante dessa realidade, a escolha entre insistir na gestão estatal de estradas, ferrovias, portos e aeroportos, ou recorrer a programas de concessões para que a inciativa privada possa investir em infraestrutura, também não exige reflexão tão demorada, pois a resposta é evidente para governos de qualquer coloração ideológica que tenham um mínimo de sensatez. A única diferença é o fato de alguns governantes estarem convictos do papel do setor privado no desenvolvimento do país, enquanto outros recorrem às concessões por puro pragmatismo, quase contra a vontade – é o caso clássico do petismo.

Em novembro de 2024, o ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou que o programa de concessões do governo Lula era mais ambicioso que o levado a cabo na gestão anterior, de Jair Bolsonaro, com Tarcísio de Freitas à frente do Ministério da Infraestrutura. Isso não quer dizer, no entanto, que o petismo tenha abandonado o ranço estatista; significa apenas que a realidade está batendo à porta com ainda mais força. Além disso, em termos de metas, o papel aceita tudo; no mundo real, como apurou o jornal O Globo, dos 35 leilões de rodovias que o governo se propôs a realizar até 2026, apenas nove foram feitos nesta primeira metade de mandato.

É verdade que Bolsonaro e Tarcísio realizaram seis leilões rodoviários em quatro anos, três a menos que nestes dois primeiros anos de Lula 3, e que os investimentos de R$ 81 bilhões previstos nas nove concessões leiloadas em 2023 e 2024 superam o montante da gestão anterior, mas também é preciso ponderar os retrocessos em outros modais e os obstáculos que o próprio governo está colocando à expansão da presença privada no setor de infraestrutura. A privatização do Porto de Santos, por exemplo, foi enterrada; e um plano que prevê a retomada de trilhos concedidos e abandonados, mediante pagamento de indenização por parte das concessionárias, ainda está em elaboração, e sem definição sobre o destino desses milhares de quilômetros de trilhos. Em outros casos, o empecilho vem do Judiciário, como no caso da Ferrogrão, cuja construção está suspensa pelo STF por causa de uma minúcia.

A política econômica do governo também joga contra uma participação maior do setor privado. A gastança sem fim e a irresponsabilidade fiscal de Lula, com seus efeitos inflacionários, forçaram o Banco Central a atuar com a única ferramenta à disposição da autoridade monetária para manter o valor da moeda, o aumento dos juros. Com isso, os investimentos ficam prejudicados pelo encarecimento dos financiamentos e porque quem tem recursos tende a buscar retornos mais fáceis no mercado financeiro, em vez de empregá-lo em atividades como obras de infraestrutura.

Uma infraestrutura defasada de transporte é mortal para o setor produtivo, que se torna menos competitivo. O Brasil já acumula três décadas de experiência em concessões: há um bom número de exemplos de sucesso, e também de equívocos que afastaram players de oportunidades que poderiam ser muito mais atrativas. Conseguir que o país invista anualmente 4% do PIB em infraestrutura, a porcentagem necessária para tirar nosso atraso logístico, é tarefa hercúlea; o Brasil tem quadros técnicos capazes de desenhar modelos inteligentes para atrair investimentos em todos os modais, mas precisa que o poder público abrace com convicção a participação da iniciativa privada e proporcione segurança jurídica e econômica para a atração de investimentos.

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