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Editorial

A praça é do povo

Adoção de logradouros públicos mostra que o cidadão pode ir além da mera cobrança e assumir papel de protagonista na conservação e cuidado com o espaço de todos

Viver numa cidade limpa, com monumentos, praças e parques bem cuidados é o desejo dos moradores de qualquer lugar. Tal querer pode ser visto na própria Gazeta do Povo, através das frequentes cartas e depoimentos de leitores reclamando das condições de logradouros e áreas públicas, do vandalismo, das pichações que diariamente materializam a falta de consideração que algumas pessoas têm pelo espaço urbano. Uma área degradada realmente machuca, ofende qualquer cidadão minimamente interessado no bem comum, e por isso a indignação é natural: trata-se do primeiro passo necessário em busca da solução. Mas é o segundo passo, o da ação, o mais importante: o que fazer para reverter essa e outras situações que tanto incomodam?

A resposta mais comum ainda é apenas reclamar e cobrar dos outros – leia-se do poder público – uma solução. Feito isso, o cidadão tem a nítida impressão de que fez tudo o que estava ao seu alcance, de que se esgotaram as suas formas de ação e que só lhe resta esperar que o outro – o poder público – aja e resolva o problema. Um exemplo dessa mentalidade é a frase de Carolina Ricardo, coordenadora de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz, na Gazeta do Povo do dia 19. "Espaços públicos abandonados geram sensação de insegurança. O poder público precisa retomar esses espaços e desenvolver programas de ocupação com atividades nas ruas", afirmou. É um pensamento que, depois de décadas de paternalismo estatal, vem à mente dos brasileiros de forma quase automática. Mas, na verdade, é o reflexo de um conceito pobre de cidadania, em que para ser cidadão bastaria exercer o direito de voto e cobrar do poder público.

Sem dúvida, o voto é um dos momentos mais marcantes da cidadania; papel igualmente inestimável tem todo cidadão que fiscaliza continuamente o poder público e cada político, cuidando para que as verbas sejam bem aplicadas, evitando desperdícios ou desvios. Mas não é o poder público o principal protagonista do desenvolvimento de um local: são os indivíduos, isoladamente ou organizados. Há inúmeros casos em que as pessoas podem se juntar e promover saídas para problemas comuns. Exemplo concreto dessa cidadania ativa foi mostrado pela Gazeta do Povo dias atrás. No bairro Hugo Lange, em Curitiba, a Praça Alcides Munhoz Neto, marcada pelo vandalismo frequente, foi adotada por professores, pais e alunos de um colégio particular. O grupo retirou o lixo, limpou pichações, plantou uma horta. Também fez um trabalho com os moradores para divulgar o projeto. Aos poucos, os vizinhos começam a participar do cuidado com a pracinha antes esquecida.

Pode parecer pouco, mas a iniciativa mostra que é possível mudar a realidade a partir de coisas simples, desde que se tenha vontade de agir. Além da adoção de logradouros públicos, que nem precisaria passar por qualquer tipo de formalidade ou burocracia, há diversas maneiras de os cidadãos se empenharem para mudar os rumos da comunidade. Não se trata de "assumir uma função do Estado", expressão que frequentemente ouvimos em tais casos. Trata-se de assumir seu real papel, o de protagonista. Ao poder público cabe não colocar obstáculos a essa ação e agir de forma subsidiária, auxiliando os cidadãos quando eles precisarem de ajuda, e assumindo a tarefa apenas quando ninguém demonstrar interesse ou capacidade de realizá-la. Mas que triste seria viver em uma comunidade na qual ninguém se interessa pelo cuidado com os espaços públicos!

Uma das formas de se explicar a proliferação de atos de desrespeito com o patrimônio e áreas públicas é a existência de uma visão distorcida do significado de "público", que passa a ser confundido como se fosse uma coisa "de ninguém". Quem entende tudo o que é público como se não pertencesse a ninguém, ou apenas ao Estado, dificilmente irá respeitar esse espaço ou trabalhar por sua conservação. Mas quem adota e assume o espaço público como seu – o que de fato é – se importa, preserva, cuida. "Eu não vou simplesmente ligar para o telefone 156 pra plantarem uma árvore na frente da minha casa. Eu mesmo vou fazer. É para que a gente tenha o sentido de pertencimento à cidade", disse o ativista Jorge Brand à Gazeta do Povo em junho de 2012, quando o jornal contou a história de curitibanos que estavam plantando árvores nas ruas de Curitiba por iniciativa própria. É esse sentimento de responsabilidade pela cidade que pode fazer a diferença, principalmente quando materializado em ações. O comportamento protagonista em relação aos espaços públicos pode ser um primeiro passo em direção a uma sociedade madura, em que cada cidadão, na medida de suas capacidades, possa contribuir para a solução dos problemas comuns, libertando-se da ideia ilusória de que esperar é a única saída.

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