Enquanto Jair Bolsonaro e boa parte do “núcleo duro” de seu governo – os ministros da Economia, Paulo Guedes; da Justiça, Sergio Moro; e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo – estavam em Davos, no Fórum Econômico Mundial, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, apresentou no Palácio do Planalto o que chamou de “metas prioritárias” para os 100 primeiros dias do governo. O documento resultou das reuniões ministeriais realizadas antes da viagem de Bolsonaro, e acabou chamando a atenção menos pelo que trazia e mais pelo que deixou de fora.
Sem o ajuste das contas públicas e a redução do tamanho do Estado, não haverá futuro para o país no médio e longo prazo. Bolsonaro e sua equipe estão totalmente conscientes disso, e esse foi um tema recorrente nas falas do presidente e do ministro Paulo Guedes em Davos. “A coisa mais urgente são as reformas estruturais. Se conversarmos sobre cortar subsídios aqui e lá, vamos perder apoio político. Então temos de fazer a reforma mais importante, que é a da Previdência. Por que se envolver em pequenas batalhas se temos uma grande batalha adiante?”, disse o ministro à Bloomberg, em entrevista realizada na Suíça.
Mas a questão da Previdência e outra reforma importante, a tributária, ficaram de fora do documento apresentado por Lorenzoni. O texto menciona cortes de cargos comissionados, privatizações e concessões de infraestrutura, e o megaleilão de petróleo que deve ocorrer neste ano e pode gerar até R$ 100 bilhões, mas silenciou justamente sobre o tema que tem estado na boca de ministros e das principais lideranças políticas da base de apoio a Bolsonaro dia sim, dia também.
O governo já deu muitas demonstrações de que sabe o que precisa ser feito, e da urgência que certos temas têm
Que o governo enxerga a reforma da Previdência como prioridade absoluta já é bastante evidente, a essa altura. É por isso que sua ausência na lista de prioridades causou tanta perplexidade durante a apresentação, motivando perguntas da imprensa, às quais Lorenzoni respondeu sem dar prazo algum. Estaria o governo pensando em não enviar o projeto nesses primeiros 100 dias? Ou o problema seria uma eventual falta de apoio parlamentar à reforma? Felizmente, na mesma entrevista à Bloomberg, Paulo Guedes foi enfático ao dizer que a reforma da Previdência seria enviada ao Congresso em até 60 dias.
É bem possível que os responsáveis pela elaboração e divulgação da lista tenham considerado que, estando mais que evidente a importância e a urgência da reforma da Previdência, tantas as vezes que ela foi mencionada por Bolsonaro e Guedes, ela nem precisaria constar do documento, abrindo espaço para outros temas que o governo também considera relevantes. Mas, se foi essa a intenção, o impacto dessa foi mal avaliado. No fim, a repercussão da ausência da reforma acabou ofuscando as demais prioridades de forma mais intensa do que teria ocorrido se ela tivesse constado na lista, algo que já seria esperado e tido como normal.
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Reformas urgentes à parte, a lista passa a mensagem de que nenhuma área está sendo menosprezada, e alguns itens servem de satisfação a apoiadores e críticos, em vários casos contemplando temas tratados durante a campanha eleitoral. De mais elogiável, pode-se mencionar um projeto de lei contra o crime organizado, cujas linhas já haviam sido antecipadas por Moro logo após a posse, e a intenção de regulamentar o ensino domiciliar, embora o meio escolhido, uma medida provisória, não nos pareça o mais adequado.
No entanto, na ânsia de contemplar áreas bem diversas, a lista acabou enfraquecida ao dar um tratamento mais genérico a alguns temas, como as menções ao combate à poluição dos mares, a um plano de segurança hídrica e a um programa de difusão da ética e da cidadania nas escolas. Isso sem falar em outros itens que estão muito longe de ser fundamentais. Não faz o menor sentido enxergar como prioridades, por exemplo, a mudança na capa do dos passaportes, trazendo de volta o brasão da República no lugar do Cruzeiro do Sul; ou o redesenho da Empresa Brasileira de Comunicação; ou a reformulação do programa Bolsa Atleta.
O governo já deu muitas demonstrações de que sabe o que precisa ser feito, e da urgência que certos temas têm. Ainda que a reforma da Previdência não estivesse no documento apresentado por Lorenzoni, ela continua sendo a prioridade das prioridades; é nela, e nas demais medidas de ajuste fiscal, que o governo precisa concentrar suas forças agora.