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Editorial

A punição da vítima

Preocupado com um possível estrago na candidatura da ministra Dilma Rousseff à Pre­­sidência da República, o governo tentou, por todas as vias, evitar o uso da palavra "apa­­gão" para caracterizar a falta de energia ocorrida na terça-feira, dia 10 de novembro. Consi­­dera­­ções políticas à parte, o fato é que tudo simplesmen­­te apagou, por várias horas, de forma total e completa, criando um caos de proporção nunca vista, atin­­gindo 18 estados, inclusive as duas principais metrópoles brasileiras: São Paulo e Rio de Janeiro. Prejuízos, medo, pânico e revolta são alguns dos horrores vividos pela população naquela fatídica noite. Para piorar, o governo não conseguiu identificar as causas, autoridades públicas ignorantes no assunto deram declarações precipitadas e tentaram culpar a natureza, os raios e os trovões, o presidente Lula não teve a humildade de pedir desculpas, e a imagem que ficou é de que pode ter havido falha técnica e de comando no setor energético.

Há muito tempo o setor de energia é dominado pelo clã do senador José Sarney, cujos cargos são loteados entre os apadrinhados políticos, geralmente pessoas sem conhecimento do setor e despreparadas para gerenciar as empresas e os problemas da área. Embora as áreas técnicas estejam cheias de engenheiros e de especialistas em energia, o fato é que até agora a sociedade não sabe o que aconteceu e a credibilidade do governo no episódio saiu arranhada. Até aí parecia que os problemas se limitariam a ser debitados na conta da incompetência governamental e dos joguetes políticos, além, é claro, dos prejuízos e sofrimento da população atingida. Infelizmente, há mais notícias ruins para o povo.

Existe um plano de expansão do setor elétrico até 2013 prevendo que quase dois terços dos investimentos deverão se concentrar em usinas termelétricas, e não em hidroelétricas, o que provocará aumento do custo da energia para o consumidor, além dos danos ambientes de usinas movidas a óleo. O ministro Édison Lobão, de Minas e Energia, o primeiro a sair em defesa do governo com declarações desastradas e precipitadas, anda evitando falar de aumento de preço da energia, sem conseguir convencer. Os gastos para evitar novos apagões e a predominância de usinas térmicas na ex­­pan­­são do sistema levarão a aumento de custos que serão, certamente, repassados aos consumidores, e o governo tentará, como sempre, revestir a aumento da fatura com pilhas de dados e argumentos, mas nada mudará a necessidade de as famílias reverem seus orçamentos para suportar a elevação do dispêndio com energia elétrica.

Novamente, a vítima será punida, como ocorreu no apagão de 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando houve aumento nas faturas aos usuários, para cobrir 60% do total dos prejuízos, sendo o restante pago pelo Tesouro Na­­cional. É como se alguém fosse assaltado e depois fosse preso em função do tumulto social provoca­­do pelo assalto. Não é a primeira vez que o governo joga nas costas do povo as consequências dos seus erros e os problemas energéticos só não são piores porque a natureza foi generosa, dando altos volumes de chuvas, e porque a crise segurou o cresci­­men­­to da economia. Com a superação da crise mundial e a retomada do crescimento da produção nacional, a oferta de energia terá de ser expandida e, para isso, serão necessários altos investimentos em geração, transmissão e distribuição. Co­­mo o setor é dominado pelo setor público e o go­­verno tendo muito pouco dinheiro para investir, o país terá de concluir rapidamente as normas re­­gula­­doras e correr atrás de capitais privados nacionais e estrangeiros.

Apesar da sua imensa importância estratégica para o desenvolvimento do país, o setor de energia tem sido tratado com desdém, ao ficar submetido a grupos políticos que dominam a direção dos ór­­gãos e das empresas do setor. A interferência da família Sarney na área energética não é crítica dos seus opositores; é uma situação conhecida de todos os brasileiros e representa um velho mau hábito da política brasileira. Se os políticos brincassem com setores menos importantes já seria condenável. Muito mais condenável, porém, é ver interesses me­­nores de homens públicos predominando sobre um setor tão relevante para o futuro do país.

Na época do apagão de 2001, o ministro do TCU, Walton Alencar Rodrigues, já alertava sobre os custos indiretos de crises energéticas, como a redução de atividade econômica, o aumento de desemprego, a perda de competitividade em razão do aumento de custo de energia elétrica, a diminuição da arrecadação de tributos, o desestímulo ao investimento, entre outras consequências negativas. Um problema resultante da confusão armada no apagão atual é a impressão de que o governo parece não saber o que está acontecendo, disseminando insegurança e dúvida quanto à capacidade do país em garantir oferta de energia para suportar uma fase de expansão longa da economia.

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