O governo argentino deu um passo atrás na desapropriação da Vicentin, uma das principais agroexportadoras do país e única que possui capital 100% argentino. Porém, o presidente Alberto Fernandez não desistiu da intervenção na empresa, o que pode gerar um precedente perigoso no cenário político de nossos vizinhos, um dos principais aliados e parceiros econômicos do Brasil.
No início de junho o governo argentino decretou intervenção no grupo Vicentin, que se encontra em processo de renegociação de suas dívidas e cujo maior credor é o Banco Nacional – a quem deve cerca de 18 bilhões de pesos (a dívida total é de 99 bilhões de pesos, o equivalente a cerca de 1,4 bilhão de dólares). A empresa emprega cerca de 1.300 pessoas e declarou situação de insolvência em dezembro do ano passado. O presidente argentino pretendia então enviar um projeto de lei para o Congresso com o fim de declarar a agroexportadora como empresa de interesse nacional e estatizá-la em caráter definitivo. Fernandez declarou na ocasião que não teria vergonha de se dizer capitalista e afirmou que estava tomando uma decisão difícil para preservação de empregos, pois “não estava ficando com uma empresa próspera, mas com uma empresa falida”.
A notícia não foi bem recebida por parte considerável da população. No último sábado (20), milhares de manifestantes foram às ruas, em várias cidades, incluindo Buenos Aires, para protestar contra a intervenção federal na agroexportadora e em defesa da propriedade privada. A reação popular fez o governo arquivar o projeto de lei de expropriação, mas não impediu que um “plano B” fosse elaborado. A aposta está agora em um plano de intervenção apresentado pelo governador de Santa Fé, Omar Perotti. Nessa proposta, a Vicentin seria comandada por dois auditores nomeados pelo governo nacional, Gabriel Delgado e Luciano Zariach, e por um indicado pela província, que seria Alejandro Bento, que pertence ao círculo de amigos do governador. Por fim, devido às dívidas com o Banco Nacional, a Vicentin seria transformada em uma empresa de economia mista.
No entanto, nesta quarta-feira (24), um juiz da província de Santa Fé, Fabián Lorenzini suspendeu essa operação. A possibilidade de uma expropriação volta a ganhar força, pois Alberto Fernández já havia declarado no sábado passado que seguiria esse caminho “se me restar só esta opção”. Héctor Vicentin, acionista e filho de um dos fundadores da agroexportadora, criticou duramente a forma como o governo tem agido: "Sabemos que temos problemas, mas existem alternativas à expropriação, à intervenção e à transformação em uma empresa mista. Temos que nos sentar para dialogar e eles precisam nos deixar trabalhar e investir, que é o que sabemos fazer".
A Argentina passa por uma grave crise econômica há anos, que não foi equacionada pelo governo anterior, de Maurício Macri, e tem lançado mão de medidas populistas e bastante danosas para a contenção da inflação, como o congelamento de preços. Desde a eleição de Fernandez a quantidade de itens com preços tabelados aumentou para mais de 300 itens.
Para se ter uma ideia da gravidade da crise que o país enfrenta, no primeiro trimestre de 2020, ainda sem as medidas de distanciamento social decorrente da pandemia de Covid-19, o PIB argentino registrou queda interanual de 5,4%, com a maioria dos setores econômicos apresentando queda de produção, incluindo a agricultura. Soma-se a isso a dificuldade que o país enfrenta em pagar as suas dívidas, que já chegam a 90% do PIB.
Hoje o país luta para devolver a dívida a um nível sustentável e está à beira de um default real, isto é, deixar de pagar sua dívida porque não dispõe de meios ou porque o custo “social” para o governo seria alto demais. O país também está lutando para renegociar sua dívida, para não cair ainda mais no conceito dos credores internacionais.
A insistência na intervenção na agroexportadora Vicentin não é, portanto, só uma ameaça grave à propriedade privada no país, mas também uma medida bastante controversa para uma gestão igualmente polêmica e que não inspira confiança. Em meio à mais grave crise sanitária do século, em que há expectativa de queda mundial do PIB, o governo argentino está dando um sinal negativo ao setor privado e faz com que a Argentina perca atratividade perante os investidores numa eventual retomada na economia.
Tabelamento de preços, expropriações, falta de cumprimento com as obrigações financeiras decorrente de empréstimos são medidas econômicas desastrosas para qualquer país que queira se manter entre os considerados em desenvolvimento. O Fundo Monetário Internacional (FMI) já calcula que a economia argentina vai sofrer uma queda de 9,9% do PIB até o final de ano. Um número que pode ser ainda pior se Fernández insistir em suas medidas populistas.
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