A retaliação da Assembleia Legislativa contra o Ministério Público por causa das investigações das denúncias dos Diários Secretos é o sinal de que a farsa acabou. Parte dos deputados já não disfarça que os esclarecimentos das irregularidades no Legislativo paranaense não os interessam. Desistiram da retórica da colaboração e da transparência e resolveram partir para o ataque à instituição. Prova disso é o projeto de lei que tramita na Casa e que proíbe a cessão de policiais civis e militares ao Ministério Público estadual. Seria essa uma forma de enfraquecer o poder investigativo do órgão?
Felizmente a sociedade civil organizada já está se manifestando contra a proposta, que até agora não tem pai, pois nem seu autor, nem os 20 deputados que a subscreveram apareceram para reivindicar sua autoria. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR), já se manifestou contrariamente à intenção dos deputados. "A medida soa como uma espécie de represália em razão da ação realizada pelo Gaeco. Há algo a esconder, algum temor de alguém? Não vejo motivo para isso", disse em reportagem publicada ontem pela Gazeta do Povo. E sobre a não divulgação dos signatários da proposta acrescentou: "As pessoas precisam entender que os atos da Assembleia precisam ser públicos, mas eles não o são até nisso".
O pretexto para a retaliação foi o cumprimento da ordem judicial de busca e apreensão na Assembleia no sábado passado. O presidente da Casa, Nelson Justus, do Democratas, classificou a operação do Ministério Público como "invasão" e disse que a Assembleia iria tomar medidas enérgicas, porque, segundo ele, a Casa estaria colaborando com as investigações. Porém o que se descobriu e foi um dos motivos para a busca e apreensão é que a Assembleia, em vez de enviar os documentos solicitados, vinha manipulando as informações, rodando diários oficiais com datas e dados errados. A sociedade não precisa dessa colaboração. Novamente, a declaração do presidente confirma a necessidade de afastamento da cúpula da Assembleia, para que a investigação se dê com lisura e imparcialidade indispensáveis. Seria mais correto Justus lembrar os abusos que aconteceram todos esses anos na mesma Casa do Povo. As declarações do presidente são uma tentativa de desviar a atenção da sociedade do real problema a crise do Legislativo.
O fato é que a reação de parte dos deputados contra o Ministério Público é uma tentativa de intimidação que não pode ser tolerada no Estado Democrático de Direito. A atuação do Ministério Público em nada se compara ao período da ditadura militar, como chegou a declarar Justus. Antidemocrática, sim, está sendo a atuação dos deputados que pretendem "retaliar" uma investigação de irregularidades graves que ocorreram por debaixo dos seus olhos. O Ministério Público nada mais fez mais que cumprir o papel que a Constituição e a sociedade lhe confiaram. Os documentos estavam sendo adulterados e sonegados. Caso não houvesse o cumprimento da ordem de busca e apreensão, tais documentos talvez nunca viessem à tona. É possível que a sociedade só venha a conhecer as ilicitudes cometidas na Casa do Povo por causa do cumprimento da apreensão desses papéis.
É inequívoco que a Mesa Diretora da Assembleia não quer a investigação das denúncias e vai fazer tudo o que puder para atrapalhá-la. Seja dificultando ou impedindo o trabalho dos promotores, seja usando de forma condenável o poder de fazer leis. A máscara da colaboração usada por Justus e pelo primeiro-secretário, Alexandre Curi, do PMDB, caiu por terra.
A proposta de acabar com a possibilidade de ceder policiais civis e militares ao Ministério Público, que contou com a assinatura de 20 deputados anônimos, é um atentado à democracia. Crimes como os de corrupção e de lavagem de dinheiro são complexos e exigem, na maior parte das vezes, ações conjuntas de promotores, auditores e policiais. A proposta dos deputados beneficia os criminosos. Se o projeto vier a ser aprovado, não estará se concretizando uma mera retaliação contra o Ministério Público. Será uma tentativa de impedir que investigações contra o crime organizado tenham efetividade. A retaliação será contra a sociedade. E isso, não podemos deixar acontecer.