Com a retração econômica mundial causada pela pandemia do coronavírus, o Brasil tem atraído um volume menor de investimento estrangeiro – expressão que descreve não os recursos que entram no país direcionados ao mercado financeiro, mas o dinheiro para operações como a construção ou ampliação de fábricas, injeção de recursos das multinacionais em suas unidades brasileiras, ou compra de ativos. Na comparação entre 2020 e 2019, os valores mensais oscilam – em alguns meses, por exemplo, o desempenho deste ano é melhor –, mas o acumulado de 2020 vem registrando queda tanto na entrada de Investimento Direto no País (IDP, o novo nome oficial do antigo Investimento Estrangeiro Direto) quanto no valor líquido, que também considera as saídas.
Segundo dados divulgados recentemente pelo Banco Central, de janeiro a agosto de 2019 houve US$ 97 bilhões em entradas, contra US$ 79 bilhões nos primeiros oito meses deste ano, queda de 19%. Já o saldo líquido de janeiro a agosto de 2020 foi de US$ 27 bilhões, contra R$ 46 bilhões no mesmo período do ano passado, redução de 41%. O desempenho brasileiro não chega a ser algo fora da curva, se levarmos em conta a previsão da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Um relatório publicado em junho pelo órgão da ONU previa queda global de até 40% no investimento direto neste ano, baixando da casa do US$ 1 trilhão, o que não ocorria desde 2005. A Unctad ainda estima nova redução em 2021, entre 5% e 10%, antes que o investimento volte a crescer em 2022. Para a América Latina em específico, a Unctad estima queda de 40% a 55% no investimento direto estrangeiro em 2020.
O Brasil deu razões para desanimar o investidor estrangeiro ao frear o ímpeto reformista
Mas o caso brasileiro não se resume à Covid-19. A OMS declarou a pandemia em meados de março, mas o IDP já estava em queda desde o início do ano. Se considerarmos apenas janeiro e fevereiro, as entradas de 2020 até superaram as de 2019 (US$ 24,8 bilhões contra US$ 23,1 bilhões), mas as saídas neste ano foram bem maiores: US$ 16,8 bilhões, contra US$ 10,1 bilhões no primeiro bimestre de 2019, levando à queda também no resultado líquido de IDP, que caiu de US$ 13 bilhões para US$ 8 bilhões nesse mesmo período.
Os especialistas que a Gazeta do Povo havia ouvido em junho deste ano apontaram outros fatores tanto internos quanto externos. A percepção de que o Brasil tem feito pouco na área ambiental, por exemplo, é tudo de que produtores agrícolas europeus fortemente subsidiados precisavam para pressionar seus governos contra o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Além disso, o Brasil também deu razões para desanimar o investidor estrangeiro ao frear o ímpeto reformista. A um 2019 com reforma da Previdência e Lei de Liberdade Econômica seguiu-se a hesitação em enviar as reformas tributária e administrativa, além da deterioração na relação entre Executivo e os demais poderes, ocorrida no primeiro semestre deste ano.
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Mais recentemente, se Planalto, Congresso e Supremo parecem estar empenhados em relações mais amistosas, e se o governo finalmente desengavetou reformas, as dúvidas sobre as perspectivas para o Brasil se mantiveram. Primeiro, com a pressão sobre as contas públicas causada pelos enormes gastos exigidos para mitigar o desastre econômico da pandemia; depois, com a retórica que transforma em vilão o teto de gastos, uma importante ferramenta de ajuste fiscal que muitos gostariam de ver abolida para que o governo possa gastar mais em circunstâncias ordinárias.
Se há algum consolo, está no fato de que o país sabe muito bem o que precisa ser feito para que o investimento estrangeiro volte a crescer – se não de imediato, pelo menos logo que a pandemia passar. Seguir em frente com o programa de concessões de infraestrutura e privatizações, aprimorar marcos regulatórios como ocorreu no caso do saneamento básico, rever regras como o regime de partilha na exploração do pré-sal, proporcionar segurança jurídica ao investidor e, principalmente, reforçar o compromisso com o controle e a eficiência do gasto público, com respeito ao teto de gastos, reforma administrativa abrangente e desengessamento do orçamento federal. Sem isso, o mundo não terá confiança para ver no Brasil um porto seguro para realizar investimentos que proporcionem empregos e desenvolvimento duradouro.