O absurdo cometido na quarta-feira pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, que, não contente em anular o acordo de leniência assinado pela empreiteira Odebrecht no âmbito da Lava Jato, ainda fez uma série de ataques descabidos à operação, não está ficando sem resposta. A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) manifestou sua intenção de recorrer da decisão, embora ainda não tenha divulgado detalhes deste recurso. Outro recurso deve vir da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que ainda divulgou nota contestando os principais argumentos usados por Toffoli. A movimentação das entidades se explica, em boa parte, pelo fato de o ministro também ter determinado a abertura de investigação contra magistrados, membros do MP e outras autoridades que tenham participado das negociações com a Odebrecht para que o acordo de leniência fosse fechado.
A nota da ANPR merece especial destaque por trazer à luz detalhes importantíssimos a respeito do trâmite do acordo de leniência agora anulado e rebater uma série de afirmações feitas pelo ministro do Supremo. O argumento “técnico” usado por Toffoli em sua decisão se baseava em uma suposta “contaminação” dos sistemas mantidos pela Odebrecht para registrar o pagamento de propinas, e que eram mantidos em servidores localizados fora do Brasil. No entanto, todos os órgãos que deveriam ter participado das negociações foram envolvidos. A integridade das provas fornecidas pela empreiteira foi atestada pela Polícia Federal em um extenso laudo técnico. Uma sindicância da Corregedoria do MPF avaliou o acordo e não identificou nenhuma irregularidade. “O acordo de leniência firmado pelo Ministério Público Federal com a Odebrecht resultou de negociação válida, devidamente homologada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, com a participação de vários agentes públicos, pautados em atividade regular”, diz a nota da ANPR, acrescentando que o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, que representa o Brasil em cooperações internacionais, acompanhou e aprovou todo o procedimento, ao contrário do que afirmou Toffoli.
O momento exige uma resposta mais enfática da sociedade civil, que precisa deixar explícito seu repúdio à devastação promovida pelo Supremo no bom combate à corrupção no Brasil
Mesmo se considerarmos que o objetivo principal de Ajufe e ANPR é a defesa dos seus membros que podem acabar sendo vítimas de investigações, e mesmo lembrando que infelizmente não vimos reações tão incisivas durante o longo processo de desmonte da Lava Jato e perseguição daqueles que levaram adiante o combate à corrupção – especialmente o ex-procurador Deltan Dallagnol, vítima de arbítrio puro em instâncias que vão do Conselho Nacional do Ministério Público ao Tribunal de Contas da União, estas são manifestações positivas, que trazem informações valiosas. Elas ajudam a recuperar a verdade sobre a Lava Jato, contra a história mentirosa que vem sendo construída já há alguns anos.
A julgar pelos detratores da operação na opinião pública, na Procuradoria-Geral da República e no STF, a Lava Jato foi uma operação que só conseguiu resultados impressionantes, como os bilhões de reais devolvidos e a prisão de figurões como Luís Inácio Lula da Silva, porque agiu à margem da lei, com um Código de Processo Penal próprio (um dos leitmotive principais de Gilmar Mendes) e inúmeros abusos. Esta é a mentira que se quer fazer prosperar. A verdade indiscutível é outra: a Lava Jato empregou, sim, muito rigor, mas apenas o rigor que a lei lhe permitia empregar; seus procedimentos foram inúmeras vezes questionados e validados na segunda instância, no Superior Tribunal de Justiça e até no STF. O desmonte da Lava Jato no Supremo não ocorreu porque subitamente a corte suprema viu o que mais ninguém havia visto; ocorreu porque os ministros, em decisões teratológicas e políticas, resolveram reverter o que já haviam decidido, reprovar o que já haviam aprovado, inventar nulidades, suspeições e cerceamentos de defesa onde havia o mero respeito à lei, ignorar laudos, pareceres e toda sorte de documentação técnica. E, ao agir assim, deram sinal verde para que outras instâncias partissem para o ataque, como na escandalosa condenação imposta a Dallagnol pelo TCU, votada em menos de um minuto por ministros que haviam sido atingidos pela operação no passado de uma maneira ou de outra.
O momento exige uma resposta mais enfática da sociedade civil, que precisa deixar explícito seu repúdio à devastação promovida pelo Supremo no bom combate à corrupção no Brasil. Ainda que os recursos não prosperem – até porque serão julgados pelos mesmos que têm sido os grandes responsáveis pelo fim da Lava Jato –, é imprescindível enviar a mensagem inequívoca de que o Brasil sabe muito bem quem fez o quê e qual a responsabilidade exata de cada ator neste drama. Se os resultados da Lava Jato estiverem perdidos, que ao menos sejamos capazes de preservar sua história – a verdadeira, não aquela contada por seus inimigos.
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