Sob o pretexto de que tornará a fiscalização tributária mais eficiente, a direção da Receita Federal editou uma portaria, sigilosa, no fim do ano passado determinando a centralização do controle de auditorias. A Portaria RFB/Sufis de n.º 3.324, de 23 de dezembro de 2009, dá ao comando da Receita em Brasília o poder de selecionar as grandes empresas que deverão ser alvo de fiscalização.
Como foi noticiado nesta semana, o autor da portaria e subsecretário de Fiscalização da Receita, Marcos Vinícius Neder, declarou que a medida tem caráter técnico, cujo objetivo seria o de ampliar o poder das auditorias. Neder entende que a centralização irá aumentar o índice de acerto da Receita nas fiscalizações. Hoje, em cada dez fiscalizações, nove contribuintes são autuados.
A busca da eficiência é um princípio constitucional da administração pública. Porém é muito suspeito tomar uma medida de rigor de modo secreto, no sistema de intranet da Receita. Ao não publicar a portaria no Diário Oficial da União, nem na página da Receita Federal, como ocorre de forma costumeira, o órgão infligiu a norma constitucional que ordena a necessidade de dar transparência aos atos públicos. Tal comportamento gera suspeitas. Fica difícil não pensar que outros objetivos podem ser alcançados com a medida.
Um dos efeitos da portaria será o de conferir à cúpula da Receita o poder de selecionar de forma prévia as grandes empresas que farão parte de seu programa de fiscalizações. As delegacias regionais ficam impedidas de agir com autonomia contra grandes contribuintes. Se as empresas não estiverem na lista, não poderão ser fiscalizadas. Em caso de suspeitas de sonegação, será necessário que passem pelo crivo da direção da Receita em Brasília. Só então poderão ser fiscalizadas.
Antes, as delegacias da Receita Federal detinham autonomia para planejar suas fiscalizações, até porque conhecem a região em que trabalhavam, o que permite saber quais companhias precisam ser auditadas. Deviam seguir apenas diretrizes, pois os dados permaneciam nas delegacias e dificilmente eram enviados a Brasília. Como os auditores são funcionários de carreira, deles se espera comprometimento integral com a administração pública. Já de funcionários de confiança, investidos no cargo por agentes políticos, não se pode esperar o mesmo nível de comprometimento.
Está clara a concentração de poder na cúpula do órgão. Mas não fica evidente como esse poder será usado pelo governo federal. Até porque o fato de ter ocultado a edição da portaria não ajuda a se ter uma boa impressão da medida. Não pode ser descartada a possibilidade de o governo federal, em ano eleitoral, usar as informações em seu favor.
O governo pode muito bem requisitar as informações da Receita e as usar para negociações com potenciais financiadores de campanha. Não há nada que impeça isso de acontecer. Vale lembrar, inclusive, que hoje existe uma curiosa correlação entre financiadores de campanha e vencedores de licitações em todos os níveis de governo. Resta saber como a sociedade poderá exercer algum tipo de controle para que a finalidade da portaria que oficialmente é de melhorar o processo fiscalizatório não seja desvirtuada.