O tamanho do tombo que a economia brasileira levou no segundo trimestre desse ano não foi uma surpresa, dada a intensidade com que a pandemia do coronavírus afetou os negócios. A queda no PIB foi de 9,7% em comparação com os primeiros três meses de 2020, a maior da série histórica iniciada em 1996. Combinado com o desempenho negativo do primeiro trimestre, revisado para -2,5% pelo IBGE (o número anterior era de -1,5%), o Brasil volta a viver uma recessão.
Com o número do PIB em mãos, políticos, formadores de opinião e brasileiros comuns buscarão culpados em todos os poderes e esferas de governo. Para uns, tudo deve recair nas costas do presidente Jair Bolsonaro, que teria menosprezado a pandemia, abrindo mão de coordenar esforços para minimizar seu impacto; outros culparão o STF, que teria “amarrado as mãos” de Bolsonaro, dando superpoderes a governadores e prefeitos; e ainda sobraria para esses mesmos governadores e prefeitos, que teriam mandado fechar tudo sem critério, sem necessidade ou cedo demais.
Por um bom tempo vamos pagar o preço por não termos realizado antes algumas reformas essenciais
Ainda haverá quem recorra à comparação com outros países para mostrar que poderia ter sido pior, mas são números que servem apenas de consolo breve. Sim, a queda do PIB brasileiro no segundo trimestre foi semelhante à dos Estados Unidos (-9,1%), da Alemanha (-9,7%) e da média da OCDE (-9,8%), e menos severa que a da zona do euro (-12,1%), da Itália (-12,4%), do Chile (-13,2%), da França (-13,8%), da Espanha (-18,5%) ou do Reino Unido (-20,4%). Mas olhar para os problemas de outros países não ameniza o fato de que o Brasil está em situação catastrófica, pois a base de comparação para nosso PIB já não era tão animadora. O país havia crescido apenas 1,1% em 2019, e apenas fevereiro deste ano tinha números mais positivos.
A pergunta a se fazer é: que ferramentas o país tem para sair do buraco em que a pandemia nos colocou? Por um bom tempo vamos pagar o preço por não termos realizado antes algumas reformas essenciais, e a previsão orçamentária de 2021, recentemente enviada pelo governo ao Congresso, mostra como o Poder Executivo já não terá margem de manobra para absolutamente nada quando terminar o estado de calamidade pública. O impulso terá de vir quase todo do setor privado, enquanto o governo terá de lutar para cortar gastos. É nesse contexto que se deve enxergar a promessa de Jair Bolsonaro de finalmente enviar a reforma administrativa ao Congresso nesta quinta-feira, dia 3, em vez de adiá-la para o ano que vem.
Se quiser recuperar a confiança dos mercados, essa reforma não pode falhar. Já é certo que ela não afetará os servidores da ativa – em parte pela relação de amor e temor entre políticos e funcionários públicos, em parte para evitar que o tema vá parar na Justiça –, valendo apenas para os que forem contratados no futuro. Como os efeitos benéficos das mudanças acabarão mitigados e adiados, melhor que essas mudanças sejam realmente substanciais, eliminando de vez todas as distorções que fazem do funcionalismo uma ilha à parte na sociedade brasileira, com mecanismos que inclusive ajudam a aumentar a desigualdade, de acordo com estudo de 2013 realizado pelo Ipea.
A “recuperação em V” que Paulo Guedes afirma já estar em curso precisa, no mínimo, nos devolver o quanto antes ao ponto onde o país estava antes da pandemia. Continuar a crescer a partir dali, no entanto, vai depender de como o governo controlará seu inchaço e seus gastos, além de atrair investimento privado. A essa altura do campeonato, reformas pela metade não servirão – pelo contrário, apenas lançarão mais dúvidas sobre a capacidade e a disposição de atacar os problemas estruturais que mantêm o Brasil no atoleiro.