A China aprovou uma lei de segurança nacional abrangente para Hong Kong em 30 de junho de 2020; críticos e muitos governos ocidentais temem que isso sufoque as liberdades do centro financeiro e oculte sua autonomia.| Foto: Anthony WALLACE / AFP
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A história de Hong Kong é peculiar: em 1842, este pequeno território no sul da China foi cedido aos britânicos, que, por um acordo com as autoridades chinesas, administraram a região até 1997. A esta altura, a China aceitara um arranjo legal que, com validade até 2047, parecia razoável: Hong Kong seria parte da China no papel, mas disporia de um grau elevado de autonomia na prática. Isso incluía o poder de eleger seus próprios governantes. A solução ficou conhecida como “Um país, dois sistemas”.

Quando deixou de ser um protetorado britânico, a próspera Hong Kong já havia se transformado em um mais um exemplo de como a democracia e o livre mercado são muito mais eficazes na geração de riquezas do que o comunismo, adotado em 1949 pela China continental. No Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, por exemplo, o pequeno território, aparece no 2º lugar entre 180 nações (a China ocupa o 103º lugar). No relatório “Liberdade no Mundo”, da respeitada Freedom House – e apesar das amarras criadas pelo regime comunista vizinho – Hong Kong aparece com uma nota 55 em uma escala de 0 a 100. Na mesma avaliação, a China tem apenas 10 pontos.

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A despeito do acordo pela autonomia de Hong Kong, o Partido Comunista Chinês, nunca aceitou plenamente o elevado grau de liberdade concedido ao território capitalista. Passo a passo, o regime de Pequim tem atuado para tolher a autonomia de Hong Kong.

Em 2019, próceres do governo central tentaram forçar a aprovação de uma lei que permitiria ao regime comunista extraditar, a força, cidadãos de Hong Kong. A proposta, que acabou não sendo votada, provocou protestos em massa, sobretudo de jovens. Nas eleições locais do mesmo ano, os grupos pró-democracia obtiveram uma ampla vantagem. Cerca de 90% das cadeiras em disputa foram ocupadas pela oposição a Pequim. Isso aumentou os temores, por parte do regime comunista chinês, de que Hong Kong buscasse a secessão. A reação da China continental, como era de se esperar, foi endurecer o regime. E um passo decisivo nessa direção foi dado nesta terça-feira (30), quando o simulacro de parlamento chinês (oficialmente, Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo) aprovou, por unanimidade, e em apenas 15 minutos, uma lei de segurança nacional que, na prática, limita seriamente a atuação de grupos pró-democracia em Hong Kong. A medida veta atos que sejam considerados subversivos ou terroristas, promovam a secessão de Hong Kong ou sejam organizados em conluio com forças estrangeiras – na concepção questionável, claro, que o regime autocrático de Pequim tem do que sejam subversão, terrorismo, secessão e conluio. Os delitos serão puníveis até com prisão perpétua. A lei também cria uma polícia própria que atuará em Hong Kong sem se submeter às autoridades locais.

Este foi o primeiro ato da China comunista para reduzir a autonomia de Hong Kong, mas talvez tenha sido o mais grave. Colocado em um contexto maior, em que o regime de Pequim já não esconde sua tentativa de construir uma hegemonia global, a medida deve preocupar e muito a comunidade internacional.

Diante disso, era de se esperar que o governo dos Estados Unidos tomasse a dianteira. Na campanha eleitoral, o então candidato Donald Trump vociferava diariamente contra as práticas comerciais e diplomáticas questionáveis da China. Poucas horas antes da votação da nova lei pelo congresso comunista, entretanto, o governo americano decidiu suspender alguns privilégios de exportação de tecnologia para Hong Kong na área de defesa. “Considerando que Pequim agora trata Hong Kong como ‘um país, um sistema’, nós também devemos fazê-lo”, afirmou, em nota, o Secretário de Estado Mike Pompeo. O Departamento de Estado também pretende bloquear a exportação de itens tecnológicos considerados de “uso duplo”, uma definição mais ampla que inclui itens não-exclusivamente militares. Embora a medida seja compreensível do ponto de vista da segurança nacional, ela pode acabar prejudicando as forças democráticas de Hong Kong. É preciso que os Estados Unidos atuem em outras frentes para apoiar a resistência da ilha diante das sucessivas agressões impostas pelo regime comunista chinês.

Os Estados Unidos, como maior e mais poderosa democracia do mundo, devem puxar a fila, mas uma reação firme à intervenção chinesa em Hong Kong cabe à comunidade internacional como um todo – inclusive ao Brasil, que é um parceiro comercial importante da China e que, por isso, pode ser ouvido. É preciso, entretanto, que essa atuação se dê pelos meios diplomáticos adequados e sob estratégia de longo prazo, em vez de palavrório impensado e que não traz qualquer consequência a não ser irritar gratuitamente os humores de Pequim.

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O mundo não pode assistir calado a uma agressão de uma ditadura contra um regime livre. A depender da reação nos próximos dias, o regime comunista de Pequim pode se sentir encorajado a cometer novas violações semelhantes.