Quando o Produto Interno Bruto (PIB) de um ano é inferior ao do anterior, em valores nominais absolutos e descontada a inflação, está caracterizada a recessão. Como exemplo, o PIB de 2015 foi 3,8% menor que o de 2014. Em 2016, a situação se agravou e o PIB foi 3,3% menor que o de 2015, resultando em queda acumulada de 7% nos dois anos referidos. Mas a taxa de recessão econômica, ou seja, o porcentual de queda do produto total da nação, não é a taxa de empobrecimento geral, nem explica como o custo da recessão foi distribuído entre as várias camadas da população segunda sua renda. Em primeiro lugar, porque o produto nacional destina-se a toda a população, e esta cresce todos os anos. No Brasil, a população fechou 2020 com pouco mais de 212 milhões, resultado de uma taxa de aumento em torno de 0,7% ao ano, às vezes mais, beirando 1,5 milhão de habitantes a mais a cada ano.
Embora com dados ainda não revisados, já se sabe que, mesmo a pandemia tendo afetado o aumento populacional, essa taxa em 2020 deve ter ficado em 0,6%, o que dá 1,26 milhão de pessoas a mais no país no fim de dezembro passado. Como no exemplo da recessão de 2015-2016, cuja queda acumulada do PIB foi de 7%, ao dividir o produto total ao fim de 2016 pela população, a queda da renda por habitante foi de 8,4%. Algumas publicações chegaram a declarar que o Brasil terminou 2016 com renda por pessoa 9% menor do que no fim de 2014. Esses números, com pequenas variações conforme a fonte de dados, mostram que uma recessão econômica é muito mais grave em países com crescimento populacional regular.
A recessão tem o poder de provocar profunda desigualdade na distribuição dos sacrifícios, porque seus prejuízos nunca são distribuídos igualmente por todas as classes sociais e profissionais
Em segundo lugar, os números gerais não informam como a redução de 8,4% na renda por habitante provocada pela recessão 2015-2016 foi distribuída entre as diversas camadas da população. A recessão tem o poder de provocar profunda desigualdade na distribuição dos sacrifícios, no mínimo por uma razão: aqueles que perdem o emprego e não encontram outro durante o período recessivo sofrem perda de 100% em sua renda; logo, decaem na escala de renda mais que os trabalhadores que mantêm o emprego, mesmo com alguma redução de ganhos. Em terceiro lugar, a recessão nunca é distribuída igualmente entre os funcionários do setor estatal e os empregados do setor privado, coisa que é fácil entender: no setor público não há demissões nem há redução salarial. A bem da verdade, algumas categorias de funcionários do governo podem ficar sem reajuste por alguns anos, o que diminui seu salário real por força da inflação. Mas isso ocorre também com os trabalhadores privados que, perdendo emprego na recessão, retornam em outro com salários inferiores, além dos trabalhadores autônomos e os da economia informal que, na recessão, sofrem diminuição de seus ganhos.
O exemplo do ano passado está vivo na memória dos brasileiros. Dos 106 milhões em condições de trabalhar, a máquina estatal emprega em torno de 13 milhões, ficando 93 milhões para o setor privado. Todos, rigorosamente todos os que perderam emprego em 2020, por força da pandemia e da paralisação na economia derivada do isolamento social, são trabalhadores do setor privado. Aí já começa a distribuição desigual dos prejuízos oriundos da recessão. Esse exemplo não deve servir de base para se defender demissões pura e simplesmente no serviço público, mas apenas para mostrar uma realidade matemática, sem considerações de qualquer outra natureza. Em quarto lugar, nenhuma recessão, em nenhum lugar do mundo, atinge a população de forma igualitária, a começar pelo fato de que as recessões deprimem mais determinados setores da atividade e menos outros setores.
Todavia, a pandemia, o isolamento social, o fechamento de milhões de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços produziram, em 2020, uma avalanche de redução de salários, desemprego e empobrecimento que acentuou as desigualdades sociais. Estudos feitos pela LCA Consultoria com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada pelo IBGE com parâmetros dados pelo Banco Mundial, informaram que 8,3 milhões de brasileiros tornaram-se pobres de 2015 a 2017, fazendo que o total de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza no início de 2018 chegasse a 54,1 milhões, sendo que, desse total citado, a miséria atingia 13,6 milhões. Ao fim de 2018, verificou-se pequena melhora, com o número de pobres caindo para 52,8 milhões ao fim de 2018, mas a pandemia impediu qualquer possibilidade de o país continuar progredindo na redução do número de pobres e das desigualdades.
A redução das desigualdades de renda deve entrar no radar das metas mais urgentes do Brasil, no mínimo por três razões. Uma, para tornar a democracia e a economia livre mais sólidas; a segunda, por razões humanitárias e de solidariedade entre as gerações; a terceira, porque a população brasileira deve seguir aumentando até 2047 e, depois, começa a diminuir, a ponto de poder chegar com 50 milhões de pessoas a menos no ano 2100, conforme estudo da escola de Medicina da Universidade de Washington e publicado no dia 14 de abril passado pela revista científica britânica The Lancet.
O mundo não tem nenhuma experiência de país que se tornou rico com população em trajetória decrescente; portanto, não há literatura histórica capaz de embasar previsões a esse respeito. Seria triste ver o Brasil, tão rico em recursos naturais, seguir pobre e desigual até o pico de sua população em 2047, e seguir pobre à medida que o número de habitantes diminuir.
A igualdade geral entre todos os membros de uma sociedade nunca existiu, nem vai existir, no mínimo porque os seres humanos são diferentes, perseguem propósitos de vida diferentes, agem de forma diferente e a própria organização da vida coletiva pressupõe estruturas de poder, hierarquia e divisão de tarefas com exigência de talentos diversos. Todavia, pela gravidade a que chegou a desigualdade de renda, a sociedade e o governo devem trabalhar para elevar o padrão de renda dos pobres e miseráveis, principalmente por meio de programas e políticas que melhorem sua educação e qualificação profissional. A melhor política de combate às desigualdades inclui educação, qualificação, emprego e geração de oportunidades, além da melhoria da eficiência dos programas sociais públicos.
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