No fim, a vitória de Emmanuel Macron no segundo turno da eleição presidencial francesa foi mais tranquila que o previsto nas pesquisas de opinião. Pela primeira vez desde 2002, um mandatário conseguiu a reeleição; o centrista do República Em Marcha teve 58,5% dos votos, contra 41,4% de sua adversária, Marine Le Pen, do Reagrupamento Nacional, partido da direita nacionalista. A margem tranquila só foi possível graças à migração de quase metade dos votos da extrema-esquerda, que ficou em terceiro lugar no primeiro turno – dos eleitores de Jean-Luc Mélenchon ouvidos na boca de urna, 42% votaram em Macron e 17%, em Le Pen.
Não que haja um grande entusiasmo entre os franceses com o primeiro governo de Macron e suas propostas para o segundo mandato: 40% dos que disseram ter votado no atual presidente no último domingo afirmaram tê-lo feito principalmente para impedir que Marine Le Pen saísse vencedora. E, de fato, algumas das plataformas do mandatário reeleito não são das mais palatáveis em um país que se acostumou com uma enorme rede de bem-estar social, subsídios pesados para alguns setores da economia e uma legislação trabalhista bastante engessada em comparação com a de outras nações europeias.
Boa parte do futuro de Macron como líder de dimensão global dependerá do desfecho da campanha de agressão realizada por Vladimir Putin na Ucrânia
Uma primeira tentativa de reformar a previdência social francesa terminou em fracasso – oficialmente, graças à pandemia de Covid-19, embora seja mais acertado atribuir a culpa à enorme resistência de sindicatos. Macron queria elevar a idade mínima de aposentadoria de 62 para 65 anos, unificar todas as dezenas de regras previdenciárias existentes e acabar com “aposentadorias especiais” em setores como as ferrovias estatais; agora, fala-se em uma idade mínima de 64 anos. O sistema previdenciário francês é um dos mais caros da Europa (custa 14% do PIB, abaixo apenas de Grécia e Itália) e, assim como o brasileiro, está destinado à falência no médio e longo prazo se não for reformado. Macron espera deixar um legado ao país caso consiga alterar as regras de aposentadoria.
E, para isso, ele precisará também vencer o “terceiro turno”: as eleições legislativas francesas, que ocorrem em junho. As perspectivas, até o momento, são favoráveis: o Em Marcha e seus aliados têm tudo para manter a maioria absoluta da Assembleia Nacional (o equivalente francês da Câmara dos Deputados), conquistada em 2017. No entanto, há tendência de crescimento dos extremos: o Reagrupamento Nacional pode pular das atuais 7 para 90 cadeiras; a França Insubmissa, de Mélenchon, que hoje tem 17 deputados, pode chegar a 30. Caso as pesquisas de opinião se confirmem, os grandes derrotados seriam os Republicanos, de centro-direita, que veriam seus 99 assentos reduzidos pela metade.
Se Macron ainda depende da manutenção de sua maioria parlamentar para implementar suas reformas internas, ele pode ter um caminho mais aberto no cenário europeu para se tornar o grande líder dentro da União Europeia. A era “Merkozy” ficou no passado: os herdeiros políticos de Nicolas Sarkozy foram derrotados pelo próprio Macron já em 2017, e Angela Merkel deixou de ser chanceler da Alemanha no fim de 2021; seu substituto, Olaf Scholz, ainda briga para se firmar no posto. Mas boa parte do futuro de Macron como líder de dimensão global dependerá do desfecho da campanha de agressão realizada por Vladimir Putin na Ucrânia.
O presidente francês tem apostado na negociação e chegou a criticar declarações mais incisivas feitas por outros líderes, como quando o norte-americano Joe Biden chamou o russo de “criminoso de guerra” e “açougueiro”. No entanto, a diplomacia até agora também não foi capaz de parar Putin, que já desrespeitou algumas promessas feitas a Macron. Está mais que evidente que, na situação atual, diante de todas as atrocidades cometidas pela Rússia, a verdadeira liderança exige firmeza na condenação à campanha militar de Putin e na busca por todos os meios possíveis de frear a ofensiva russa sem provocar uma escalada do conflito que leve a uma guerra generalizada. Se Macron quer se consolidar como um dos grandes líderes mundiais da atualidade, este é o caminho que tem de seguir, e não o do apaziguamento diante de um autocrata que se julga onipotente.