Os gastos com o funcionalismo, ativo e inativo, atormentam gestores nos três níveis da federação, a ponto de 11 estados já estarem estourando o limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal: os governos estaduais e municipais não podem comprometer mais de 60% de sua receita corrente líquida com o funcionalismo – para a União, o limite é de 50%. Mesmo governadores de partidos de esquerda, que no Congresso cansaram de discursar contra a reforma da Previdência, estão se rendendo à realidade e propondo suas próprias mudanças – o caso mais recente é o da petista Fátima Bezerra, no Rio Grande do Norte. Por isso, são imprescindíveis mudanças urgentes nas regras do funcionalismo, que em muitos casos tem médias salariais bem superiores às da iniciativa privada para as mesmas funções. À medida que vão chegando a público as propostas que o governo federal deve enviar ao Congresso em fevereiro na reforma administrativa, percebe-se a tentativa de atacar o problema.
O Planalto optou por não mexer nas regras para aqueles que já estão no serviço público. Se por um lado isso continua a manter a pressão sobre o orçamento, que já está perigosamente próximo dos limites constitucionais, por outro evita uma judicialização da reforma que seria certa, com servidores buscando a Justiça para manter o que alegariam ser direitos adquiridos e mantendo o país na insegurança jurídica até que um tribunal superior decidisse as demandas – como, aliás, ainda ocorre com a reforma trabalhista, aprovada mais de dois anos atrás. Mesmo assim, o governo enxerga uma janela de oportunidade: um quinto do quadro atual do funcionalismo federal deve se aposentar até 2024. Enquanto parte desse contingente não será reposta, graças à evolução tecnológica que permite a digitalização de alguns serviços, os demais serão substituídos por novos servidores que já deverão trabalhar sob as novas regras.
Não se trata de declarar uma “guerra ao funcionalismo”, mas de reconhecer que há distorções que fazem do Estado brasileiro um indutor de desigualdade
Já se sabe, por exemplo, que haverá alterações na estrutura das carreiras e nos salários iniciais, para aproximá-los daqueles da iniciativa privada. Estas alterações, segundo a equipe econômica, não estarão em proposta de emenda constitucional, mas em projetos de lei (que são mais fáceis de aprovar, pois exigem maioria simples em votação única) e decretos, nos casos em que se trata de temas que não exigem aval do Legislativo. Além disso, o governo também atacará os “penduricalhos” que aumentam artificialmente os salários do funcionalismo, como progressões ou promoções motivadas única e exclusivamente pelo tempo de serviço e que se tornam uma obrigação da qual o gestor não tem como escapar, graças à estabilidade do servidor.
Além disso, a reforma administrativa tentará acabar com a aberração da “aposentadoria compulsória” para os servidores que cometem infrações graves, “condenados” a passar o resto da vida bancados pelo Estado, recebendo vencimentos proporcionais. A regra, no entanto, não deve valer para juízes, procuradores e parlamentares, pois nestes casos a iniciativa para projetos de lei ou PECs tem de vir do respectivo poder ou órgão. Seria salutar que o STF, o Ministério Público e o Congresso se juntassem ao esforço da União, até porque os casos mais escandalosos de aposentadorias compulsórias no passado recente ocorreram no Judiciário.
Os objetivos da reforma administrativa caminham lado a lado com os da PEC Emergencial, que já tem relatório pronto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, de autoria de Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), e que também altera radicalmente regras que dificultam a administração da folha de pagamento do poder público. Entre os itens do substitutivo do senador paranaense está o fim do reajuste automático para a magistratura quando há aumento nos salários dos ministros do STF, bem como a possibilidade de redução de até 25% no salário e carga horária de servidores com salários mais altos caso o governo entrasse em aperto fiscal grave. A CCJ ainda precisa votar o texto.
Não se trata, de forma alguma, de declarar uma “guerra ao funcionalismo”, uma categoria sumamente necessária para oferecer ao brasileiro serviços dignos da enorme carga tributária que é tirada de cidadãos e empresas. O ponto, aqui, é reconhecer que vários dispositivos legais acabaram criando uma série de benesses e privilégios que, mesmo não alcançando todo o funcionalismo, ajudaram a fazer do Estado um promotor de desigualdade no Brasil, de acordo com estudo clássico do Ipea divulgado em 2013. Atacar essas distorções é uma necessidade, pois o poder público não pode existir e arrecadar simplesmente para se manter, como se fosse um fim em si mesmo.
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