O impasse sobre o destino da reforma administrativa na comissão especial da Câmara dos Deputados mostra a dificuldade da tarefa que o relator Arthur Maia (DEM-BA) assumiu ao querer elaborar um texto que agrade a todos, em vez de buscar a melhor reforma possível. Ao fazer cada vez mais concessões aos partidos de esquerda que, na verdade, não desejam reforma administrativa alguma e só aceitarão um texto que, ao fim, não reforme absolutamente nada, Maia passou também a desagradar antigos defensores da reforma do lado liberal, que passaram a recomendar a rejeição da PEC 32 nos moldes que ela vem assumindo.
As mudanças feitas por Maia nas últimas semanas foram várias, e significativas. Ele já ampliou a estabilidade para todos os futuros servidores, contra a proposta original que preservava o benefício para o funcionalismo atual e o previa apenas para certas categorias no futuro. Já retirou uma importantíssima ferramenta de ajuste fiscal, a previsão de redução proporcional de jornada e salário, em caso de dificuldades no cumprimento das regras legais referentes aos gastos com pessoal. Já declarou explicitamente em substitutivos que a inclusão de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público na reforma seria inconstitucional, o que impediria qualquer tentativa futura de coibir privilégios destes dois grupos. Mesmo itens positivos, como critérios para avaliação de desempenho, ficariam engessados ao se tornarem matéria constitucional em vez de tema regulado por legislação ordinária.
A reforma deveria fazer o Estado servir ao cidadão, e não às corporações. Tantas idas e vindas com a PEC 32, no entanto, mostram que este não parece ser o real objetivo da maioria dos parlamentares
Uma das versões mais recentes do parecer ainda incluiu uma série de benefícios a membros das forças de segurança. Apesar de toda a pressão atual pela redução do alcance do foro privilegiado, Maia queria que o delegado-geral da Polícia Federal só pudesse ser julgado no STF, enquanto os delegados-gerais das Polícias Civis estaduais responderiam no STJ. Haveria, ainda, integralidade e paridade nas aposentadorias de todos os policiais admitidos antes da reforma da Previdência, pensão por morte paga de forma vitalícia e integral para dependentes de policiais civis e federais (a reforma da Previdência definira que o valor seria proporcional ao tempo de serviço). Por fim, a Polícia Federal (PF) deixaria de ser órgão da segurança pública para se tornar “instituição de função jurisdicional”, passando sua fiscalização para as mãos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em vez do Ministério Público.
Em resumo, Maia quis conquistar o apoio da esquerda ao fazer uma série de acenos equivocados ao corporativismo, e desprezou o apoio dos liberais ao retirar ferramentas de ajuste fiscal, cristalizar privilégios de algumas das categorias que mais ganham com o estado atual (como juízes e membros do MP), e afagar uma base de apoio do presidente Jair Bolsonaro, concedendo uma série de benefícios a policiais. Com razão, o Centro de Liderança Pública (CLP), antigo defensor da reforma administrativa, afirmou ser “impossível que se defenda a aprovação desta PEC”. Especificamente sobre as concessões às polícias, um grupo de economistas classificou o texto como “pura captura do Estado por grupos de servidores armados”.
A repercussão negativa foi tamanha que o quinto substitutivo, protocolado no dia 22 por Maia, recuou em alguns pontos, embora ainda tente agradar a todos os lados do espectro ideológico. O relator recuperou o corte proporcional de jornada e salário, finalmente incluiu magistrados e membros do MP na reforma, retirou o foro privilegiado dos delegados e manteve a PF como órgão de segurança pública, fiscalizado pelo MP – as novas regras de aposentadoria e pensão, no entanto, permanecem no texto. Por outro lado, Maia aceitou mais uma exigência da esquerda e derrubou a possibilidade de o poder público “firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira”.
A reforma administrativa deveria eliminar distorções, desperdícios e privilégios que criam desigualdade em relação à iniciativa privada, e até mesmo dentro das carreiras do funcionalismo; incentivar e premiar os bons servidores, e impedir que os maus se eternizem em suas funções pagas com dinheiro público; dar flexibilidade ao gestor para que encontre as melhores formas de prestar determinado serviço, já que “público” não necessariamente significa “estatal”. Ou seja, fazer o Estado servir ao cidadão, e não às corporações. Tantas idas e vindas com a PEC 32, no entanto, mostram que este não parece ser o real objetivo da maioria dos parlamentares, divididos entre estatistas que não querem reforma alguma, corporativistas que desejam mudar apenas para aumentar as benesses de seu grupo, e “reformistas pela metade” que apostam em mudanças aguadas para depois vendê-las a seu público como reformas.