Com a PEC do Teto encaminhando-se para sua aprovação em segunda votação pelo Senado, depois da qual só resta sua promulgação pelo Congresso Nacional, o governo de Michel Temer sentiu-se suficientemente confortável para divulgar o seu plano para a reforma da Previdência. Ela também precisará ser realizada por meio de proposta de emenda à Constituição – ou seja, exigirá duas votações na Câmara e duas no Senado –, enviada pelo governo na segunda-feira passada e explicada em entrevista coletiva na terça-feira. A batalha, no entanto, promete ser muito mais árdua neste caso que no da PEC do Teto.
O sistema brasileiro de previdência funciona no regime de repartição, ou seja, quem trabalha hoje banca os benefícios de quem está aposentado hoje (uma alternativa é o regime de capitalização, em que cada trabalhador financia sua própria aposentadoria com os depósitos que faz ao longo da vida; é o caso, por exemplo, do Chile e das previdências privadas no Brasil). Com cada vez mais brasileiros idosos e cada vez menos jovens no mercado de trabalho, é fácil imaginar que esse pacto entre gerações está condenado ao colapso.
O pacto entre gerações em que se baseia a previdência no Brasil está condenado ao colapso
E isso já não é novidade para ninguém há muito tempo. A reforma da Previdência é uma necessidade que muitos governos reconheciam, mas adiavam devido ao seu potencial de impopularidade. Tal omissão tem sido reforçada por interpretações que consideram não o regime de previdência social isoladamente, mas o conjunto da “Seguridade Social”, que seria superavitário e, por isso, tornaria desnecessária qualquer mudança nas regras previdenciárias. Mas trata-se de um cálculo que serve para camuflar a realidade; uma ilusão que não cobra seu preço agora, mas o fará inevitavelmente daqui a algumas décadas.
Neste momento, a reforma da Previdência já não é apenas uma necessidade em si; ela é fundamental para que a própria PEC do Teto possa funcionar a contento em seu meritório objetivo de colocar um freio na gastança estatal. Isso porque, como o governo estará impedido de aumentar gastos acima da inflação, certa rubrica do orçamento só poderá ter “aumento real” caso sejam diminuídos recursos de outras áreas. A Previdência Social já corresponde, hoje, à maior das despesas governamentais, e o mero aumento natural do número de beneficiários significa que o pagamento de aposentadorias e pensões crescerá a taxas maiores que a inflação, aumentando a porcentagem desses gastos no orçamento e prejudicando outras áreas. Se nada fosse feito, em pouco tempo a Previdência tomaria uma fatia tão grande que mesmo áreas essenciais acabariam privadas de recursos.
A questão que se coloca, agora, é se esta reforma específica proposta pelo governo federal atinge o objetivo de impedir que o sistema colapse sem que o trabalhador seja esfolado por ele. E, a julgar pelas reações iniciais, mesmo de especialistas no ramo, houve acertos, como a unificação dos regimes para o servidor público e a iniciativa privada, mas também omissões, como a manutenção do regime atual dos militares (assunto que, garante o governo, será resolvido em outro projeto de lei, promessa que esperamos ver cumprida). E a maior polêmica reside na nova fórmula de cálculo do benefício, com a necessidade de se trabalhar por 49 anos para o contribuinte conseguir receber 100% de sua média salarial, limitada ao teto da Previdência, que hoje é de R$ 5.189,82.
O Planalto se mostra disposto a negociar sobre vários dos pontos da reforma, o que deve servir para retirar da proposta certos excessos que não parecem razoáveis. O trabalho dos parlamentares e dos representantes do governo, com a ajuda da sociedade, é encontrar o nível de exigência adequado para o trabalhador gozar de uma aposentadoria justa sem fazer concessões que, no fim, perpetuem a trajetória de insolvência da Previdência. Isso só será possível despindo-se de dogmatismos e posições inflexíveis e revestindo-se de espírito cívico e bom senso, criando o clima propício para o debate.
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