Após quase seis meses que às vezes pareceram intermináveis, a Câmara dos Deputados concluiu a tramitação da reforma da Previdência, remetendo o texto ao Senado. A estimativa de Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da casa, e de Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, é de concluir o trabalho em um intervalo que vai de 45 a 60 dias, incluindo tanto a apreciação na CCJ quanto as duas votações em plenário necessárias para a aprovação da PEC 6/2019. Mas a reforma da Previdência só se tornará realidade após esse período se os senadores aprovarem o texto da maneira exata como ele veio da Câmara, e esta é a grande incógnita no momento.
Os deputados, infelizmente, fizeram um estrago razoável no texto enviado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Seja durante a análise na Comissão Especial, em que o projeto foi relatado por Samuel Moreira (PSDB-SP), seja durante a votação de emendas em plenário, a Câmara conseguiu reduzir em cerca de 25% a economia total pretendida com a reforma em um prazo de dez anos. Não foi a desidratação total desejada por adversários do governo, mas o montante perdido fará falta, por se tratar de dinheiro do qual os cofres públicos não dispõem.
Alterar a PEC 6/2019 no Senado significaria ter de devolver o texto à Câmara depois de sua aprovação, e este é o pior cenário possível
A grande mudança no texto enviado ao Senado é a retirada dos servidores estaduais e municipais, que não ficarão sujeitos às mesmas regras dos funcionários públicos federais. Do ponto de vista fiscal, a mudança é injustificável, já que os entes subnacionais estão em situação até mais perigosa que a União, a ponto de alguns estados cujas contas se tornaram caóticas, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, terem de parcelar ou até adiar o pagamento de salários. Do ponto de vista político, os deputados não quiseram o ônus de contrariar servidores em sua base eleitoral, e alguns governadores, apesar de sentirem na carne as consequências das regras atuais, se opuseram à inclusão apenas para marcar posição contra Bolsonaro. Diversas outras mudanças na PEC 6/2019 também ajudaram a diminuir a economia prevista na reforma, e ainda houve alterações de caráter puramente corporativista. Onde deveria haver uma justa diferenciação no caso de algumas profissões, os deputados – em alguns casos, com apoio do próprio presidente Bolsonaro – foram além e criaram regras tão mais brandas que constituem autênticos privilégios.
Não há dúvidas de que várias dessas mudanças enfraqueceram a reforma e deveriam ser revertidas, mas o modo de fazê-lo importa. Alterar a PEC 6/2019 no Senado significaria ter de devolver o texto à Câmara depois de sua aprovação, e este é o pior cenário possível, pois não representaria apenas um adiamento, mesmo que apenas por alguns meses, da implantação da reforma: teríamos a repetição de toda a batalha que o país inteiro presenciou entre fevereiro e julho, com mais pressões corporativistas, mais irresponsabilidade da oposição, sem falar do risco de as mudanças feitas pelos senadores acabarem rejeitadas pela Câmara, colocando em perigo toda a reforma.
Por isso, por mais que os senadores estejam convencidos da necessidade de colocar de volta trechos que foram retirados na Câmara, o melhor a fazer é aprovar a PEC 6/2019 sem alterações no texto, ou no máximo (e, ainda assim, com muita parcimônia) com mudanças pontuais, que não afetem outras partes da reforma – neste caso, o Congresso promulgaria os trechos aprovados em ambas as casas, e apenas as alterações do Senado seriam analisadas pelos deputados. É preciso garantir de uma vez por todas a implantação do coração da reforma, com as idades mínimas, as regras de transição e um caráter razoavelmente igualitário para todos os brasileiros, ainda que essa última característica tenha sido mitigada com as emendas corporativistas.
Isso não retira dos senadores a prerrogativa de propor e aprovar melhorias na reforma que receberam dos deputados – desde que não o façam na própria PEC 6/2019. E o Senado já percebeu isso, trabalhando com duas possibilidades para evitar emendas que devolvam a reforma toda à Câmara. No caso mais importante, o dos funcionalismos estaduais e municipais, os senadores consideram uma outra PEC, que começaria a tramitação no Senado e trataria especificamente da inclusão desses servidores. A segunda alternativa é uma lei complementar, que exige apenas maioria simples, permitindo aos estados e municípios escolher entre a adesão às regras nacionais ou fazer as próprias reformas.
O Brasil aguarda a aprovação da reforma da Previdência para que o país volte a ter a perspectiva de uma situação fiscal sustentável, atraindo investimentos. E o Senado está disposto a aprová-la. É importante que o faça afastando a possibilidade de devolver o texto todo à Câmara, deixando que as necessárias melhorias venham por meio de outros projetos de lei ou novas emendas à Constituição.