Depois de aprovada no Senado, a minirreforma eleitoral passou, no início deste mês, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados por um placar folgado, de 37 a 14, e aguarda agora a criação de uma comissão especial para analisar seu conteúdo. A Proposta de Emenda Constitucional 282/2016 institui duas grandes mudanças: uma cláusula de desempenho, também chamada “cláusula de barreira”, e o fim das coligações nas eleições proporcionais.
A cláusula de desempenho já existia na Lei dos Partidos Políticos (9.096/1995), mas foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, motivo pelo qual os parlamentares recorreram a uma PEC para instituí-la. A não ser que os deputados demorem muito para aprová-la, a nova regra já valeria nas eleições de 2018: só terão direito a estrutura parlamentar, dinheiro do Fundo Partidário e tempo de rádio e televisão as legendas que conseguirem 2% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados em todo o país, sendo que em pelo menos 14 unidades da Federação é preciso ter essa mesma porcentagem – ou seja, não adianta um partido conseguir votações extraordinárias em alguns poucos estados e desempenhos próximos ao zero no resto do país. A partir de 2022, a porcentagem mínima exigida passa a ser de 3% dos votos em todo o país, mantida a exigência de 2% em pelo menos 14 estados.
O sistema proporcional vigente sairá aperfeiçoado com a aprovação da PEC 282, fortalecendo os partidos
É importante lembrar que a cláusula não afeta a existência de partidos políticos: legendas que ficarem abaixo do patamar legal não serão extintas, e os parlamentares que elas porventura elegerem assumirão normalmente seus mandatos. As regras para a criação de partidos não mudam com a PEC. E o texto ainda deixa às legendas menores a possibilidade de se unirem em “federações” partidárias que poderão ter acesso à estrutura parlamentar, Fundo Partidário e propaganda política gratuita se a soma dos desempenhos das legendas integrantes cumprir a cláusula de barreira.
Os partidos menores, compreensivelmente, já se manifestaram contra a PEC. Mas o fato é que ela é um primeiro passo na correção de distorções sérias do nosso sistema político. As exigências para criar um partido são inúmeras, mas, uma vez superada essa fase, o acesso a fartos recursos públicos está garantido. Ora, havendo dinheiro do contribuinte envolvido, o correto é que apenas as legendas que realmente se mostrem representativas de boa parte da população tenham acesso a essa verba. Do contrário, fica aberta a porta ao clientelismo, ao fisiologismo, ao caciquismo e ao estabelecimento de partidos de aluguel.
Leia também: O acerto da cláusula de barreira (editorial de 11 de novembro de 2016)
O fim das coligações nas eleições proporcionais (ou seja, para deputados e vereadores) é outra mudança que vem atacar a grave crise de representatividade existente hoje no país. Como a regra, em anos de eleição, é formar alianças de conveniência sem nenhuma coerência ideológica, o eleitor frequentemente se vê na situação de votar no candidato de um partido para ajudar a eleger políticos de outras legendas, às vezes com plataformas até mesmo opostas às de quem depositou seu voto na urna. O fim das coligações não elimina totalmente esse risco – quanto maior o partido, maior a possibilidade de haver variação ideológica também dentro da legenda, especialmente em temas nos quais não há posição fechada que vincule todos os seus membros –, mas o reduz drasticamente.
Enquanto não se coloca na mesa a instituição do voto distrital misto, que a Gazeta do Povo considera o melhor sistema eleitoral para o Brasil, o sistema proporcional vigente sairá aperfeiçoado com a aprovação da PEC 282, fortalecendo os partidos e fechando rachaduras pelas quais o dinheiro público escoa em negociações de apoio eleitoral ou no financiamento de legendas inexpressivas.