Paulo Guedes ainda defende imposto sobre transações financeiras, e Jair Bolsonaro afirmou que “todas as opções estão na mesa”.| Foto: Marcos Correa/Presidência da República
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A comissão especial de deputados e senadores dedicada a analisar as propostas de reforma tributária, instalada nesta quinta-feira, vai trabalhar inclusive durante o recesso parlamentar, para não atrasar ainda mais esta que será uma das prioridades do país em 2020, ao lado da reforma administrativa e das PECs de ajuste fiscal enviadas pelo governo semanas atrás. E os parlamentares terão um trabalho a menos, já que o governo federal desistiu de enviar um projeto próprio de reforma do sistema tributário. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, com duas propostas já na mesa, colocar uma terceira seria uma “tolice para tumultuar o jogo”. “Do ponto de vista de tramitação, gira tudo mais rápido se aproveitar o que já está girando lá dentro”, afirmou o ministro, que anunciou a decisão após se reunir com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Abrir mão de formalizar um projeto não significa que o governo federal não tenha a sua proposta; ela existe, e suas linhas principais já foram amplamente divulgadas, em alguns casos divergindo razoavelmente do que está previsto nas PECs de reforma tributária que tramitam na Câmara e no Senado – respectivamente, a 45/2019, baseada nas ideias de Bernard Appy, e 110/2019, que aproveita o relatório do ex-deputado Luiz Carlos Hauly. A estratégia, nos casos em que houver maior divergência, será tentar incluir as propostas do governo no relatório final da comissão, que já terá a missão de unificar as propostas para facilitar sua aprovação, em vez de manter textos paralelos tramitando no Congresso.

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A equipe econômica acerta ao investir no trabalho em cooperação com o Poder Legislativo

A equipe econômica acerta ao investir no trabalho em cooperação com o Poder Legislativo, retomando parcerias que funcionaram em outros projetos imporantes. No entanto, ela também ressuscitou uma insistência difícil de compreender: a recriação de um imposto sobre transações ou movimentações financeiras, nos moldes da antiga CPMF. Ela já custou a cabeça de um nome importante da equipe econômica, o ex-secretário da Receita Marcos Cintra. Mesmo assim, o imposto voltou a aparecer nas declarações do próprio Guedes e do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE); o próprio presidente Jair Bolsonaro afirmou que “todas as alternativas estão sobre a mesa”. E, novamente, o mote é o mesmo: este imposto seria necessário para compensar a desoneração da folha de pagamento.

Por mais que realmente a geração e a manutenção dos empregos necessite de uma desoneração feita racionalmente, a equipe econômica continua apostando em uma compensação que traz consigo vários problemas. Trata-se de um imposto cuja cobrança ocorrerá em cascata, onerando especialmente produtos com cadeias longas, encarecendo demais o produto final. E outro defeito, também óbvio, é o fato de manter a velha tradição brasileira de tributar muito mais a produção e o consumo que o patrimônio e a renda, uma escolha que sempre pune os mais pobres. A reforma pode estar mais para uma simplificação que para um redesenho radical do sistema tributário brasileiro, mas mesmo assim pode servir para começar uma reversão gradual – a “compensação” que Guedes deseja poderia vir, por exemplo, de mudanças em outros impostos, sem onerar produtos ou serviços. Uma possibilidade estaria na alteração das regras do Imposto de Renda, desde que feitas com sensatez.

O Brasil e, especialmente, o setor produtivo aguarda ansiosamente pela reforma. Segundo o Banco Mundial, somos o país onde mais se gasta tempo no cumprimento das obrigações tributárias, um desperdício de energia e talento que precisa parar. Só por isso, uma simplificação já será muito bem-vinda. Melhor ainda se trouxer, também, propostas que desloquem o eixo da arrecadação, da União para os estados e municípios, e da produção e consumo para o patrimônio e a renda, mesmo que de forma incipiente. O sistema tributário brasileiro precisa evoluir, deixando definitivamente de lado propostas que perpetuam desigualdades, oneram os mais pobres e dificultam a geração de empregos.