| Foto: Evaristo Sá/AFP

Desde que Michel Temer assumiu provisoriamente a Presidência da República, em maio de 2016, já havia o temor de que o político contaminasse o econômico. Como lembramos recentemente, Temer chegou ao Planalto já com a espada de Dâmocles pendendo sobre sua cabeça, na forma do processo que corre no Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa formada por ele e Dilma Rousseff. As menções ao presidente nas delações premiadas da Lava Jato apenas reforçaram essa possibilidade de contaminação, e a revelação da conversa com o dono da JBS enfraqueceu Temer de vez.

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A divulgação do áudio de sua conversa com Joesley Batista, na quinta-feira, suscitou reações diversas. De fato, o trecho sobre a suposta compra do silêncio de Eduardo Cunha pareceu não corresponder ao que tinha sido ventilado na noite de quarta-feira, e é nisso que Temer e sua equipe se basearam para elaborar o “daqui não saio” da tarde de quinta-feira. Mas é absurdo julgar toda a gravação por esse trecho, pois, como afirmamos, o diálogo nada republicano – pelas circunstâncias e pelo conteúdo – entre o presidente e o empresário traz indícios fortes de prevaricação e tráfico de influência cometidos por Temer: são tanto crimes de responsabilidade, passíveis de processos de impeachment no Congresso Nacional (e já foram protocolados vários pedidos) quanto crimes comuns que podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (e já existe inquérito aberto a esse respeito).

É ingenuidade achar que Temer seja capaz de levar as reformas adiante enquanto sangra no Planalto

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Temer não está apenas enfraquecido politicamente; ele perdeu a legitimidade e as condições morais de permanecer na Presidência da República. A renúncia, neste cenário, é a melhor saída para o país, e que Temer tenha a oportunidade de se defender das acusações contra ele sem que nesse processo arraste consigo o Brasil, ao contrário do que fez Dilma Rousseff mesmo depois que seus crimes de responsabilidade ficaram evidentes além de qualquer dúvida. Se Temer insistir em ficar no cargo, sofrerá o lento e inevitável desgaste dos processos de impeachment ou da cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral, ainda que caiba recurso dessa decisão.

E as reformas?, perguntarão muitos. Por mais necessárias que elas sejam, é ingenuidade achar que Temer seja capaz de levá-las adiante enquanto sangra lentamente no Planalto. O exemplo de Dilma precisa ser invocado mais uma vez: ocupada única e exclusivamente com sua defesa, ela deixou o Brasil escorregar ainda mais fundo na recessão. Antes de explodir a delação da JBS, Temer já vinha precisando usar nomeações para cargos comissionados e afagar prefeitos para influenciar parlamentares. Agora, o presidente seria presa fácil nas mãos de deputados e senadores. As reformas correriam sério risco de serem totalmente desfiguradas ou simplesmente rejeitadas.

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Todos sabemos da importância das reformas e do papel de Michel Temer em ter tido a coragem de colocá-las em pauta. Mas a prioridade, agora, é a solução da crise política dento dos caminhos institucionais e da fidelidade incondicional à Constituição. Não esperaríamos nem mesmo que um futuro presidente escolhido por eleição indireta resolvesse levar adiante as reformas – se isso ocorresse, seria um bônus surpreendente, dada a tendência do Congresso atual a amenizar o conteúdo das propostas de Temer. No entanto, também há microrreformas mais unânimes sendo conduzidas pela atual equipe econômica, cuja manutenção seria mais que bem-vinda. De qualquer forma, o mais provável é que, até o fim de 2018, o país tenha de esperar a passagem da turbulência com os cintos de segurança afivelados – se as reformas não sairão no futuro próximo, que pelo menos não voltemos ao caos da recessão.