Jair Bolsonaro anunciou nesta terça-feira (20) a recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras, para um mandato de mais dois anos. Feita com quase dois meses de antecedência, a indicação mais uma vez ignorou a lista tríplice formulada pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR). Olhada de maneira crítica, a indicação é motivo de preocupação, dado o histórico de Aras à frente da Procuradoria Geral da República (PGR), e merece toda a atenção da sociedade para os rumos que a instituição está tomando.
Desde o primeiro momento, Augusto Aras se colocou como um crítico mordaz do modelo de força-tarefa da Operação Lava Jato, que permitiu que procuradores e delegados do Paraná realizassem a maior e mais extensa investigação de combate à corrupção da nossa história. Indo na contramão de seus dois antecessores, Rodrigo Janot e Raquel Dodge, o PGR se opôs diretamente ao modelo de forças-tarefa com elevado nível de autonomia, empregado até então. Na sua visão, esse tipo de equipe deveria ser não só autorizada, mas monitorada e comandada de perto pela PGR. No desfecho de um embate que durou quase dois anos, a força-tarefa da Operação Lava Jato foi desfeita em fevereiro, por decisão de Aras, sacramentando um episódio decisivo para o enfraquecimento da operação.
Nesse sentido, o posicionamento de Aras vem se somar a uma série de decisões equivocadas de outros órgãos, que contribuíram para desfazer o arcabouço institucional que permitiu os avanços dos últimos anos no combate à corrupção. A perda da autonomia local e a extinção das forças-tarefa foram a culminação de um longo processo de deterioração das condições de possibilidade da operação, incluindo decisões monocráticas do Supremo Tribunal Federal (STF), mudança de regras estabelecidas, inovações legislativas de eficácia duvidosa. O fato que o PGR carregue no currículo essa assinatura já poria por si só em dúvida a correção da decisão de reconduzi-lo ao cargo.
Mas não só isso depõe contra o nome de Augusto Aras. O PGR se mostrou muito aquém de sua missão institucional, no sentido da defesa de direitos e da Constituição. Isso aconteceu mais de uma vez, por exemplo, quando se posicionou a favor de atos manifestamente ilegais, como o Inquérito das Fake News e o dos atos antidemocráticos. Nos dois atos, há clara extrapolação de competências do STF, falta de objeto próprio e sucessivas violações de direitos, mas a PGR pouco fez e mesmo foi conivente com os abusos que se prorrogam até o presente momento, sem que as investigações cheguem a qualquer conclusão juridicamente relevante. Em algumas situações, ele próprio foi algoz de direitos constitucionais estabelecidos, como quando pediu abertura de investigação contra um professor da Universidade de São Paulo por críticas feitas à sua pessoa.
Finalmente, o mandato de Augusto Aras à frente da PGR também tem se caracterizado por certa subserviência ao Executivo como não se via há muito tempo na instituição. Aras se posicionou de maneira flagrantemente a favor do Palácio do Planalto em questões que mereceriam mais atenção, como a acusação de atraso na compra de vacinas e as investigações envolvendo o filho mais velho do Presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).
Outros posicionamentos do PGR alinhados com a Presidência da República, ainda que careçam de melhor análise, parecem confirmar uma disposição ao alinhamento, preocupante para o mais alto cargo do MPF, que tem por uma de suas principais missões defender os interesses da sociedade, não os do mandatário no poder.
Nesse sentido, os sucessivos elogios do Presidente ao procurador, incluindo acenos públicos para a ocupação de uma eventual vaga no STF, não contribuem para dissipar a aura de desconfiança que paira em torno da indicação. Afinal, à mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta. E a conduta de Augusto Aras à frente da PGR, se não pode ser acusada de desonestidade, não apresenta alinhamento com os anseios do País por um MPF defensor da ordem jurídica, dos interesses da sociedade, da democracia e dos direitos individuais.