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A depender dos resultados da consulta pública feita pela prefeitura com a população, em julho passado, os curitibanos querem chegar antes em casa, para curtir a família e gozar do direito ao lazer. Para tanto, conta que terá a ajuda de uma malha de asfalto em boas condições. Isso, na melhor das hipóteses. Na pior, o povo da capital assumiu que o que quer mesmo é circular de carro, como se estivesse num tapete mágico, assumindo de vez os imperativos do individualismo. Façam suas apostas.

Essa conversa nasceu de um dado controverso. Dos 2,5 mil curitibanos, de nove regionais, que apontaram – em votação – quais devem ser as prioridades do poder público municipal, 21% mostraram que querem melhoras nas vias públicas. Em segundo lugar no ranking ficou o trânsito, com 15%, seguido da saúde (10%), esporte e lazer, e meio ambiente – ambos com 8%. Ação social, segurança pública, habitação e educação e cultura são as lanterninhas da lista, com algo entre 3% e 6% das "intenções de voto". Mesmo somando os que deram sugestões por e-mail – 6 mil respondentes –, o resultado é parecido. Resta interpretar os dados e saber das razões do afeto dos curitibanos.

Olhando os dados com lupa, não causa espanto que a "assistência" tenha sido apontada como a menor prioridade (3%) – parte do público pode até reclamar, mas a Fundação de Ação Social desfruta de reconhecimento em todo o país. As escolas municipais, do mesmo modo, recebem aplausos aqui e ali, o que justifica seus módicos 6% dos votos. O mesmo não se diga das condições do nosso asfalto. Com 4,6 mil quilômetros – o equivalente a metade da orla marítima brasileira –, a malha viária tem 32% de asfalto, contra quase 60% de antipó. O resto é caliça e congêneres. Não é preciso ser gênio para calcular e repetir a velha máxima: saiu do Centro e das áreas nobres da cidade, o curitibano cai no buraco. Ainda que se possa lamentar a prioridade, não é preciso malabarismo para entendê-la. Na capital com a maior taxa de motorização nacional – que enfrenta até 40% da frota das ruas –, vias com contornos lunares não são propriamente um assunto a ignorar.

A prefeitura se ocupou de acalmar os ânimos, lembrando dos R$ 180 milhões gastos com pavimentação desde que Gustavo Fruet assumiu o posto. Novos investimentos virão, de modo a garantir a circulação do carro nosso de cada dia. Mas a conversa não acaba aí. A melhor política seria não achar que a régua escolhida pela população, dessa vez, para medir o que quer, deve ser respeitada como um dogma. Como declarou a arquiteta Gislene de Fátima, da UFPR, a população tende a fazer "opção por resolver um problema imediato", por certo se referindo a consumidores cada vez mais exigentes, e que estendem suas práticas de cliente ao poder público. Quem tem carro quer rua, e ponto.

As consultas públicas são um bom instrumento de gestão, mas têm a fragilidade da casca do ovo. A participação é pequena, como era de se esperar, daí seu baixíssimo valor científico. Deve ser encarada, no máximo, como uma enquete popular. Daí trazer tantas distorções – só assim para explicar os míseros 4% dos participantes que indicaram a segurança pública como prioridade (somando a turma da internet, chega-se a 16%). Quase que por cacoete, mesmo o mais protegido dos cidadãos pede uma viatura de polícia na porta de sua casa. E o que dizer da ausência quase absoluta do transporte público na lista?

Ainda assim, a consulta oferece pistas. Sim, elas apontam para a hegemonia do carro (e da rua para passar com o veículo) na vida das pessoas, não necessariamente por ignomínia. O trânsito, em segundo lugar, se somado ao primeiro, por serem parentes, resultaria em 36% dos votos, de modo que usinas de asfalto e fábricas de semáforos poderiam ser alçadas ao topo do mobiliário urbano. Não causa espanto se no imaginário curitibano as facilidades trazidas pela pavimentação funcionam como uma panaceia – inclusive para sanar a criminalidade, já que de carro, e circulando sem atropelos, todo mundo se sentiria mais seguro. Em resumo, não foi por mal que o carro venceu, mas porque o mundo fez dele o novo fogão a gás ou geladeira.

Ainda assim, interpretar esses dados vale um doce. Somada a cultura (6%) e o esporte e lazer (8%), tem-se 14% dos curitibanos preocupados com "ter o que fazer". Houve consultas em que a cultura nem sequer tinha sido colocada entre os itens. E o esporte aparece em outras edições da lista bem perto da dianteira. Pode-se entender que o curitibano quer sair de carro, quer sua moradia valorizada pelo asfalto, mas talvez também queira sair de casa para se exercitar e desfrutar das benesses da cultura. Como não pode pedir tudo de uma vez... Uma boa estratégia seria satisfazer esse desejo aparentemente secundário por estar junto. A hora é agora – que vença o número menor.

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