O anúncio de que a Ford fechará suas fábricas no Brasil, optando apenas por vender no país modelos produzidos em fábricas no exterior, é péssima notícia em um momento no qual a preservação de empregos é prioridade absoluta. Por mais que os 5,3 mil trabalhadores da montadora nas unidades de Taubaté (SP), Camaçari (BA) e Horizonte (CE) tenham sido surpreendidos com a decisão, já havia alguns indícios importantes de que estava em curso uma restruturação das atividades da multinacional, como o fechamento da fábrica de São Bernardo do Campo (SP), em 2019.
No comunicado, a empresa fala em “anos de perdas significativas”, perdas essas que foram intensificadas pela pandemia de Covid-19. Deixemos de lado, aqui, as estratégias da empresa ou avaliações sobre onde a Ford acertou ou errou em suas decisões de negócio, políticas de preços ou de modelos; ainda que esses fatores tenham peso importante, há também aspectos que dizem respeito não apenas à Ford, mas à indústria automotiva brasileira em geral e à economia como um todo. Eles exigem uma análise serena, longe do oportunismo dos sindicatos que imediatamente apontaram o dedo para o presidente Jair Bolsonaro, ignorando deliberadamente que há problemas estruturais na raiz da crise da indústria nacional, problemas esses que não foram criados, e nem mesmo intensificados, pelo atual governo.
Temos o pior dos mundos: um “custo Brasil” que destrói a competitividade do produto nacional, e ao qual sucessivos governos responderam com subsídios que não resultaram em inovação relevante ou em aumento dessa mesma competitividade
Empreender no Brasil – na indústria, no comércio ou nos serviços – é uma tarefa hercúlea, dificultada pelo conjunto da obra que se convencionou chamar de “custo Brasil”. Nele estão incluídos o insano sistema tributário nacional (no apagar das luzes de 2020, aliás, o governo paulista anunciou um aumento no ICMS dos veículos), a burocracia sem fim para o empreendedor, o baixíssimo grau de abertura do Brasil ao comércio exterior, a insegurança jurídica, a ainda engessada (apesar da reforma de 2017) legislação trabalhista, a baixa produtividade, a precária infraestrutura que encarece os produtos, a nem sempre satisfatória qualificação do trabalhador brasileiro. O “custo Brasil” tornou-se algo tão certo e corriqueiro quanto o nascer do sol. Tão inevitável que, em vez de se esforçar para desmontá-lo, sucessivos governos optaram por um caminho muito mais fácil, o de compensar as dificuldades por meio de subsídios.
E há pouquíssimas atividades econômicas no Brasil que tenham sido tão beneficiadas, e por tanto tempo, com subsídios quanto a indústria automobilística. Os incentivos federais somaram R$ 69,1 bilhões (corrigidos pela inflação) entre 2000 e 2021, segundo o jornal Folha de S.Paulo – apenas a Ford conseguiu, desde 1999, R$ 20 bilhões em subsídios, de acordo com o jornal O Globo. Para 2021, o governo federal previa R$ 5,9 bilhões em incentivos para o setor automotivo; em 2019 o Ministério da Economia havia garantido a continuidade dos subsídios no Nordeste, o que incluía unidades da Ford, e no ano passado Bolsonaro publicou uma medida provisória, depois aprovada no Congresso, que prorrogava os incentivos.
Em troca de tanto dinheiro, o brasileiro não conseguiu um retorno à altura. Os automóveis nacionais podem até não ser mais as “carroças” a que Fernando Collor se referia quando era presidente da República, antes da abertura comercial, mas tampouco se assemelham ao que é feito nos grandes centros em termos de inovação. Os subsídios, em vez de incentivar uma revolução tecnológica – a mais recente, em direção a veículos movidos a energia limpa, como a elétrica –, levaram o setor à acomodação, reforçada pelo protecionismo. Este é o resultado comum quando a política industrial, um instrumento legítimo pelo qual um governo executa determinadas escolhas, é desvirtuada e conduzida sem critérios racionais, servindo mais para atender a “amigos do rei” e aos que sabem gritar mais alto em Brasília.
Assim, temos o pior dos mundos: um “custo Brasil” que destrói a competitividade do produto nacional, e ao qual sucessivos governos responderam com subsídios que não resultaram em inovação relevante ou em aumento dessa mesma competitividade. Se algo pode ser dito do atual governo neste contexto, é que ele assumiu prometendo, finalmente, atacar a raiz do problema como nenhum de seus predecessores havia feito, além de rever a própria política de incentivos. No entanto, pouco foi entregue até o momento em termos de reformas e ajuste fiscal – em alguns casos, porque Legislativo e Judiciário impõem empecilhos; em outros, por lentidão ou indecisão do próprio governo.
Países que dificultam a vida do empreendedor perdem oportunidades de gerar emprego e renda. Isso é tão óbvio que não há como desculpar a omissão (ou até mesmo a ação, no caso dos defensores de algumas ideologias estatizantes e de mentalidades que demonizam o empresário) que mantém o estado de coisas atual. Quem está genuinamente preocupado com a desindustrialização deveria estar trabalhando incansavelmente para eliminar o quanto antes os ingredientes do “custo Brasil”, permitindo ao setor privado respirar e ser o motor da economia, em vez de insistir em soluções ineficientes.
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