Nelson Teich fez rápido pronunciamento para comunicar sua demissão do Ministério da Saúde.| Foto: Evaristo Sá/AFP
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As divergências sobre o uso da cloroquina (ou da hidroxicloroquina) e sobre o melhor tipo de isolamento social para combater a pandemia do coronavírus encerraram, nesta sexta-feira, a passagem de Nelson Teich pelo Ministério da Saúde: ele pediu demissão antes que completasse um mês de trabalho. Algo vai muito mal quando o comando da pasta é trocado duas vezes em meio à maior crise sanitária que o mundo enfrenta neste século, mas nossos problemas são anteriores ao surto da Covid-19. O vírus e Teich se tornaram protagonistas quando já era quase impossível, no Brasil, dialogar de forma serena com quem defende posições diferentes.

Os dois temas que custaram a cabeça do ministro se tornaram altamente politizados, a ponto de quase não se reconhecer mais boa vontade e honestidade intelectual na posição oposta. Se a cloroquina e o isolamento vertical – ou seja, seletivo, com proteção maior aos grupos de risco e funcionamento dos negócios com medidas de prevenção – se mostrarem eficazes, isso significaria admitir que Jair Bolsonaro tem razão, o que chega a ser impensável para alguns setores, incluindo parte da ala política, da academia e da imprensa. Por outro lado, basta manifestar algum ceticismo quanto ao medicamento e fazer a defesa do isolamento horizontal – mais amplo, com quarentena e apenas atividades essenciais funcionando – como a melhor forma de frear a curva de contágio para ser classificado como um inimigo mortal que, no fundo, está usando o discurso da ciência e da preservação de vidas apenas para mascarar o verdadeiro interesse, que seria a derrubada do governo.

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Não parece haver mais espaço, dentro do governo, para uma divergência, ainda que sincera, vinda de quem não tem nenhum interesse velado na desmoralização do presidente

É evidente que o país não chegará a lugar nenhum nessa toada. Tanto os medicamentos quanto as formas de isolamento deveriam ser avaliados pelos resultados concretos que estão oferecendo, e não por quem as defende ou rejeita. Cientistas nos laboratórios e médicos na linha de frente do tratamento aos doentes seguem testando fármacos os mais diversos – de modernos antivirais até vermífugos – para descobrir que efeito eles têm sobre o vírus, em que dosagem pode ser aplicados, em que estágio da doença funcionam ou não. Também os efeitos de cada modalidade de isolamento estão sendo descobertos enquanto ele ocorre, com países, estados, regiões e cidades aplicando as fórmulas que julgam melhores, observando os resultados e fazendo os ajustes necessários. Quase tudo, quando o assunto é coronavírus, está sendo feito na base da tentativa e erro, já que o mundo não tinha receita pronta para lidar com uma pandemia com essas características – um vírus não tão letal, mas que se espalha muito rapidamente a ponto de saturar estruturas hospitalares mesmo em países de primeiro mundo.

E, quase dois meses depois que a OMS (tardiamente) reconheceu a Covid-19 como pandemia, essa receita, tanto em termos de tratamento quanto de método de isolamento, ainda não está suficientemente clara, daí ser perfeitamente possível defender ou rejeitar terapias (e há estudos sendo publicados apontando para todas as direções) e modalidades de quarentena com boa fé e honestidade, sem nenhum tipo de segunda intenção ideológica ou política. No caso brasileiro, a cloroquina e a quarentena foram vítimas de uma polarização já existente na sociedade, em que o critério de certo e errado a respeito de praticamente tudo passou a ser a posição do presidente Bolsonaro, levando a uma adesão ou oposição irrefletidas.

Foi isso que derrubou Teich: não parece haver mais espaço, dentro do governo, para uma divergência, ainda que sincera, vinda de quem não tem nenhum interesse velado na desmoralização do presidente e que assumiu o cargo consciente do tamanho do desafio – tanto o desafio da doença em si como o de integrar o governo, dada a maneira como Luiz Henrique Mandetta foi fritado – e com a intenção de ajudar o Brasil a vencer o coronavírus. Bolsonaro acertou em cheio quando montou um ministério técnico, prescindindo de nomeações políticas. É verdade que a opinião dos ministros não é lei; que a direção final é sempre do presidente; e que, no caso de chefe e subordinado terem posições irreconciliáveis sobre temas considerados cruciais, o ministro sempre perderá a queda de braço. No entanto, é sinal de sabedoria ao menos levar em consideração a avaliação dos técnicos que o próprio Bolsonaro escolheu. Mas, no caso do coronavírus, essa visão técnica está sendo simplesmente desprezada quando não coincide com a posição pré-definida do presidente.

Ainda não se sabe o nome do substituto definitivo de Teich, mas a essa altura é certo que será alguém que defenda – e de preferência já o tenha feito publicamente – o isolamento vertical e um novo protocolo para o uso da cloroquina. Se é este o caminho que Bolsonaro se propôs a seguir, e se é improvável que mude de opinião sobre qualquer um desses assuntos, só resta ao país esperar que seja a escolha certa, pois a insistência no erro, em um caso como este, terá como resultado a catástrofe total na saúde e na economia.

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