Discretamente como é do seu feitio, de novo a agropecuária brasileira se apresenta como o setor responsável pelos poucos ventos benfazejos que ainda sopram na direção da economia brasileira. Não é a primeira vez que lhe cabe o papel de manter em pé a dinâmica do crescimento ou, no mínimo, de evitar que os desastres que frequentemente nos ameaçam alcancem consequências ainda piores. Agora, em meio à crise que assola as finanças internacionais e derruba todos os mercados, a lavoura aparece como protagonista de um dos poucos motivos reais que ainda mantêm o país com o pescoço acima da linha dágua.
Desde 2001, o Brasil não registrava saldo negativo na sua balança comercial. Em janeiro último, porém, isto voltou a acontecer: o país amargou um déficit de US$ 568 milhões nas suas transações comerciais com o exterior. Não houve setor da produção que não tivesse importado mais do que exportado com exceção do agronegócio que, a despeito da diminuição do volume das vendas de commodities, ganhou em valor graças ao câmbio favorável. Veio da agricultura a injeção na economia, em moeda nacional, de R$ 7,8 bilhões, valor 22% superior ao registrado em janeiro do ano passado, quando o mundo ainda navegava nos mares da bonança.
Ou seja, apesar da sombria realidade da safra de verão que começa a ser colhida agora, grandemente afetada pela estiagem, a comercialização da produção remanescente do ano anterior manteve a irrigação de dinheiro no interior do Brasil, especialmente nos estados que mais se destacam na agricultura, como é o caso do Paraná. E dinheiro no interior predominantemente rural vitamina a indústria e o comércio locais e é, sem dúvida, a melhor vacina contra o desemprego no campo ou nas cidades.
Historicamente, a agricultura foi sempre sustentáculo da economia brasileira. Desde a monocultura do café, passando pela diversificação operada a partir principalmente dos anos 70 do século passado, o campo foi a fonte principal das divisas que financiaram o desenvolvimento nacional. Nos momentos de crise, como a do petróleo, veio do campo a solução: as grandes lavouras de cana-de-açúcar, que alimentaram o Proálcool, reduziram a nossa dependência do combustível importado caro e escasso. E não nos esqueçamos que, em passado mais recente, coube também à agricultura ser a "âncora verde" da estabilização monetária obtida a partir do plano real.
Apesar disso, governos se sucedem sem dar mostras da dívida que contraem com o setor agrícola para que programas e projetos que empreendem tenham sucesso. Há poucos registros na história de empenho governamental no sentido de instituir uma política agrícola estável e consistente. Estão aí para comprovar a assertiva os dramas contínuos do endividamento excessivo do setor, os juros absurdos, os baixos investimentos em pesquisa agronômica e assistência técnica, a falta de apoio à comercialização, as deficiências da logística de transporte com estradas e portos sucateados... Tudo contribuindo para a redução dos ganhos, para a perda de competitividade e para o desestímulo à expansão e modernização.
No entanto, coisa que só a garra do produtor rural pode explicar, a agricultura cresce e se moderniza logicamente que em nível inferior ao possível e desejável, mas de modo suficiente para manter o setor como braço vital do desenvolvimento econômico e social sob quaisquer conjunturas. A história é indesmentível.
Assistimos agora aos esforços governamentais para minorar os efeitos da crise internacional sobre a economia nacional. Abrem-se linhas de crédito, baixam-se juros (os oficiais, apenas!), reduzem-se pontualmente alguns impostos, renegociam-se dívidas do poder público, liberam-se recursos para obras, socorrem-se bancos em dificuldades... Não há notícias, porém, de que, salvo a difícil e ainda não concluída renegociação de dívidas pretéritas, que o mesmo empenho se direcione para a agropecuária.
Trata-se de um mistério insondável a marginalização a que o setor é relegado, contrariando a lógica econômica. Se temos pressa na superação dos obstáculos criados pela crise internacional e na recuperação da dinâmica do crescimento, não há outro setor produtivo que, com recurso bem menores, apresente capacidade de resposta tão rápida quanto o agropecuário. O prazo costuma ser de uma safra para que os primeiros efeitos do apoio frutifiquem. A salvação está na lavoura.
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