Na quarta-feira, o comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decidiu repetir a dose que já tinha aplicado à taxa básica de juros (a Selic) na reunião anterior, e fez novo corte de um ponto porcentual, o que não chegou a surpreender o mercado. Com a taxa de 10,25% ao ano, o país deixou a liderança no ranking de países com maior juro real (juro nominal menos inflação). A esperança de ver a Selic baixar para um dígito até o fim do ano permanece em pé, até porque a inflação continua dando sinais de desaceleração e vem se mantendo dentro da meta estipulada pelo Banco Central.
Mas o que chamou mesmo a atenção foi a sinceridade da nota emitida pelo BC. “Em função do cenário básico e do atual balanço de riscos, o Copom entende que uma redução moderada do ritmo de flexibilização monetária em relação ao ritmo adotado hoje deve se mostrar adequada em sua próxima reunião (...) o aumento recente da incerteza associada à evolução do processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira dificulta a queda mais célere das estimativas da taxa de juros estrutural e as torna mais incertas. Essas estimativas continuarão a ser reavaliadas pelo Comitê ao longo do tempo”. Os bons entendedores não precisaram de mais que isso para captar o recado: a palavra-chave é “incerteza”.
Não há como condenar a prudência quando temos o precedente dos cortes voluntaristas de 2011 e 2012 na Selic
Durante toda a primeira quinzena de maio, o mercado apostava que o corte da Selic na reunião recém-encerrada seria de 1,25 ponto porcentual. Mas aí a “incerteza” entrou no jogo, na forma da gravação de uma certa conversa noturna em um palácio oficial. O áudio de Joesley Batista e Michel Temer teve um impacto imediato nos mercados, com dólar disparando e bolsa desabando, mas essas oscilações mais imediatas vêm sendo revertidas. O estrago mesmo estava na perspectiva de aprovação das reformas previdenciária e trabalhista. Com a base aliada dividida sobre as perspectivas de continuação do governo Temer, a aprovação das mudanças passou a caminhar na corda bamba.
E o Copom é bem claro: sem reformas, não há muito mais espaço para quedas nos juros. Em outubro de 2016, quando realizou o primeiro corte na Selic depois de muito tempo, o comunicado feito na ocasião já batia nesta tecla: “A magnitude da flexibilização monetária e uma possível intensificação do seu ritmo dependerão de evolução favorável de fatores que permitam maior confiança no alcance das metas para a inflação (...) que o ritmo de aprovação e implementação dos ajustes necessários na economia contribua para uma dinâmica inflacionária compatível com a convergência da inflação para a meta”. Na época, a grande discussão envolvia a PEC do Teto de Gastos. Essa batalha já foi vencida, mas faltam outras, tão ou mais importantes. Sem a reforma da Previdência, o próprio teto de gastos se mostra inviável no médio prazo.
Leia também: Selic, a Geni do nosso sistema financeiro (artigo de Irineu Berestinas, publicado em 10 de fevereiro de 2017)
As boas notícias da economia, como o fato de o desemprego ter parado de crescer e de o PIB do 1.º trimestre de 2017 ter crescido 1% na comparação com o trimestre anterior, além da inflação dentro da meta, podem fazer crer que há espaço para o Copom manter o ritmo forte na redução dos juros. Mas não há como condenar a prudência quando temos um precedente tão próximo: os cortes voluntaristas de 2011 e 2012, que trouxeram a Selic a 7,25% sem que os fundamentos estivessem suficientemente sólidos. No fim, foi preciso retomar as altas até os 14,25% que vigoraram até o fim de 2016. Juros baixos são uma ferramenta importante para a retomada dos investimentos, mas de nada adiantará fazer reduções forçadas e irreais para fornecer alívio imediato, se o preço cobrado mais tarde for mais doloroso.