O Brasil vive um tempo em que a palavra “reformas” está na moda nos meios políticos e nas discussões sociais. A palavra em si diz respeito à ação de dar uma nova forma a alguma coisa, em geral porque a forma antiga não está adequada e, no caso de políticas públicas, não atende mais às necessidades da população e, em alguns casos, já está criando problemas adicionais. As sociedades modernas são sistemas sofisticados e complexos, que funcionam sob estruturas rígidas de difícil modificação, seja por serem grandes demais ou por terem gerado interesses ou privilégios cujos grupos beneficiados rejeitam as mudanças. Entre as reformas mais badaladas e de certa forma mais amadurecidas estão a reforma da Previdência e a reforma tributária.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem evitado falar em reforma da Previdência, e prefere chamar seu projeto em tramitação na Câmara dos Deputados de “Nova Previdência Social”. Segundo o ministro, esse nome é mais adequado porque não se trata de apenas reformar e dar nova forma ao sistema de Previdência Social vigente no país para os trabalhadores privados, o INSS, e para os funcionários públicos federais, mas se trata de implantar um sistema previdenciário totalmente novo, com novos princípios e ajustado à realidade demográfica, econômica e social. A primeira questão para entender de que se trata é decompor o problema em pelo menos quatro partes: o regime geral (o INSS), o regime especial de servidores públicos federais, os regimes próprios das empresas estatais, e os regimes dos estados e municípios. Sem isso, a discussão fica confusa e sem base técnica, pois boa parte da população e dos políticos não conhece o conjunto dos regimes previdenciários do Brasil e suas distinções.
Há outra questão importante que estranhamente tem recebido pouca atenção, embora relevante para a discussão do tema: é saber se a reforma a ser aprovada no Congresso Nacional atingirá os regimes previdenciários dos estados e dos municípios. O Brasil tem 5.570 municípios e em torno de 40% deles aderiram ao regime geral da previdência social, o INSS, e os demais 60% têm seus regimes próprios pelos quais o funcionário aposentado é pago pela prefeitura. Também vem recebendo pouca atenção o fato de que a Previdência Social não é caixa de milagres capaz de dar às pessoas a proteção que elas querem, mas é um sistema de proteção social, especialmente aos aposentados, segundo as possibilidades da economia nacional e segundo questões específicas de expectativa média de vida e meios de obtenção dos recursos.
Em geral, um bom sistema de previdência deve cumprir pelo menos três funções: conceder aposentadorias dignas, atingir todos os trabalhadores, mobilizar recursos para o desenvolvimento nacional. O primeiro ponto importante é o fato de que a Previdência Social brasileira começou nos anos 1920, avançou na década de 1930 e teve substanciais alterações nos anos 1960. Em 1920, a expectativa média de vida de um brasileiro não passava dos 40 anos, atingiu 45 anos no fim da Segunda Guerra Mundial (em 1945) e hoje já passa dos 75 anos. Atualmente, há aposentados que pararam de trabalhar aos 47 anos, após 30 anos de trabalho, e já estão recebendo aposentadoria há mais de três décadas. Ou seja, se isso continuasse o Brasil teria em breve uma legião de pessoas cujo tempo de aposentadoria seria maior do que todo o tempo de sua vida antes de se aposentar. Em nenhum lugar do mundo, sob nenhum argumento, uma pessoa pode se aposentar com 47 anos e viver outros 47 recebendo aposentadoria da sociedade. Ainda que o número de aposentados nessas circunstâncias seja pequeno, embora muitos de salários elevados, esse fato revela a insanidade lógica e moral de um sistema que permite tal coisa. Em relação à Previdência Social brasileira, todos os partidos que estiveram no poder nos últimos 30 anos defenderam a necessidade de reformá-la e/ou apresentaram propostas ao Congresso Nacional para mexer no sistema. O PT, que hoje é contra qualquer reforma, apresentou um projeto em 2003, no governo Lula, fez algumas alterações e abandonou o restante da proposta. O PSDB fez várias modificações no governo Fernando Henrique, outras alterações foram feitas no governo Dilma Rousseff, de maneira que, se forem honestos com a sociedade, os políticos desses partidos devem dizer à sociedade que o sistema faliu e é preciso mudar suas regras. O PMDB, com Michel Temer, somente não foi adiante na reforma em razão do enfraquecimento do governo sob acusações de corrupção. Só que agora, tudo indica que a sociedade compreendeu que o sistema está falido e, se não mudar, está fadado a tornar-se um peso financeiro para toda a população e virar um inibidor do crescimento econômico.