O grupo terrorista Hamas, que domina a Faixa de Gaza, resolveu lançar uma nova onda de ataques contra Israel na segunda-feira, rompendo o que parecia ser uma frágil trégua. Centenas de foguetes foram disparados contra áreas residenciais no sul de Israel, e o sistema Iron Dome conseguiu interceptar apenas parte deles – segundo as próprias Forças de Defesa de Israel (IDF), foram destruídos aproximadamente 100 de 400 foguetes. Vários projéteis que conseguiram escapar das defesas antimísseis israelenses atingiram edifícios residenciais, deixando dezenas de feridos e, por enquanto, um morto – em uma cruel ironia, um palestino que vivia em Israel. A resposta israelense ocorreu por meio de ataques aéreos dirigidos a alvos militares ou posições estratégicas do Hamas, como a sede de uma emissora de televisão comandada pelos terroristas.
Inicialmente, nenhum dos dois lados parecia disposto a retroceder. Enquanto um porta-voz do Hamas afirmou que “aproximadamente 1 milhão de sionistas estarão dentro do alcance de nossos mísseis se a decisão do inimigo sionista for continuar sua agressão”, o tenente-coronel do exército israelense Jonathan Conricus, porta-voz da IDF, disse que “há um amplo espaço para alvos adicionais” e que “nós sinalizamos ao Hamas, ao longo desta noite, que temos a inteligência e a capacidade de atacar uma variedade de alvos militares que pertencem ao Hamas”. No entanto, apesar da retórica, Israel e os terroristas chegaram a um cessar-fogo mediado pelo Egito na noite de terça-feira, para desgosto da linha-dura israelense – o ministro da Defesa, Avigdor Liberman, pediu demissão por causa do que considera leniência da parte do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Há uma diferença significativa entre os modos de proceder de Israel e do Hamas
As tensões internas no gabinete israelense já vinham de alguns dias atrás, quando o governo israelense permitiu a entrada de projetos humanitários na Faixa de Gaza, que ainda receberia US$ 15 milhões em fundos provenientes do Catar e teria ampliada sua área de pesca, atividade econômica importante para os palestinos. As concessões vinham apesar dos protestos semanais que o Hamas incita na fronteira entre Gaza e Israel toda sexta-feira, dia sagrado do islamismo – as manifestações, no entanto, não degeneravam para conflito aberto. O pretexto para que essa trégua fosse rompida foi uma ação parcialmente frustrada da inteligência israelense: um comando entrou na Faixa de Gaza e conseguiu matar líderes terroristas, mas foi identificado; durante a perseguição, teria havido um ataque aéreo israelense sobre a região para facilitar a fuga dos infiltrados.
Concorde-se ou não com a natureza da ação, ela mostra uma diferença significativa entre os modos de proceder de Israel e do Hamas. Os israelenses buscam ações pontuais que atinjam apenas alvos ligados ao grupo terrorista, embora a própria confusão urbana de Gaza e o uso pelo Hamas de instalações civis, como escolas e hospitais – algo amplamente documentado – acabem levando a mortes de civis inocentes. Do outro lado, o Hamas lança foguetes indiscriminadamente sobre áreas residenciais e alvos civis, com o objetivo de aterrorizar a população israelense, o que é sumamente mais grave que a resposta de um país que o direito de se defender.
No domingo, com os foguetes do Hamas voando sobre Israel, Netanyahu afirmou que “você não pode ter uma solução política com pessoas comprometidas com a sua destruição”. De fato, o maior entrave a uma solução pacífica nos territórios palestinos é justamente o fato de serem controlados por extremistas que nem sequer reconhecem o direito de Israel à existência. E o Hamas também sofre pressões internas de outros grupos ainda mais radicais, especialmente a Jihad Islâmica, pelo simples fato de negociar com Israel.
Parece cada vez mais distante a perspectiva de uma solução negociada de longo prazo. O mais perto que se chegou disso foi a cúpula de Camp David, em 2000, quando o então primeiro-ministro israelense Ehud Barak fez uma série inédita de ofertas a Yasser Arafat que pavimentaria o caminho para uma solução definitiva de dois Estados. No entanto, a falta de consenso sobre o status de Jerusalém Oriental e sobre a possibilidade de retorno de palestinos que tinham deixado Israel ou os Territórios Ocupados durante décadas de conflito inviabilizaram um acordo. Desde então, nunca houve perspectiva semelhante para a paz, até porque a população dos dois lados tem colocado os “falcões” no poder, descartando as “pombas” – mesmo o Hamas também chegou ao poder pelas urnas, vencendo a eleição parlamentar palestina de 2006; foi só no ano seguinte que o grupo tomou o controle da Faixa de Gaza, derrotando o Fatah de Mahmoud Abbas em um conflito interno.
O povo palestino só tem a perder, vendo suas cidades arruinadas e perdendo qualquer perspectiva de prosperidade, que só pode ocorrer com a paz, enquanto os líderes palestinos só têm a ganhar provocando a resposta militar israelense e exibindo seus mortos ao mundo como se fossem mártires. Quanto mais se consolidar a ideia de que o estado natural em Gaza é a guerra, mais palestinos terão estímulo para se juntar às fileiras do Hamas ou de outros grupos terroristas. Esta é a lógica que precisa ser rompida, para que se retome o caminho da paz que foi perdido depois de Camp David.
Não se trata de roteiro fácil: primeiro, será preciso que as armas calem e que o Hamas renuncie ao terrorismo, como fizeram recentemente as Farc, na Colômbia, e o ETA, na Espanha. Da parte de Israel, não basta trabalhar para evitar o conflito, como havia dito Netanyahu no sábado, justificando a permissão para a entrada de fundos do Catar em Gaza: é preciso buscar ativamente a paz, sem criar obstáculos desnecessários à solução de dois Estados. Só assim estariam lançadas as condições, antes mesmo de um acordo abrangente de paz, para os palestinos, com auxílio da comunidade internacional, se empenharem na reconstrução de Gaza e no fortalecimento da economia local, oferecendo possibilidades de uma vida digna aos habitantes dessa região. Resta saber se o Hamas e os demais extremistas, que vivem da destruição, estariam dispostos a reverter suas práticas e se tornarem promotores da paz.