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Editorial

A tolerância com a violência

Imagem ilustrativa. (Foto: Victoria/Pixabay)

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Há muito tempo a violência no Brasil se mantém com índices elevados, constituindo-se na principal catástrofe social e humanitária do país. Se somados, os crimes contra a pessoa humana, sua integridade física, sua vida e seu patrimônio – a exemplo de homicídios, furtos, roubos, agressões físicas e maus-tratos – são alarmantes. Não só a quantidade de atos violentos contra pessoas constitui grande catástrofe como as estatísticas são subestimadas em função dos casos não notificados e, portanto, desconhecidos.

No caso dos homicídios, reportagem do Jornal da Globo de 29 de abril de 2014 – portanto, há dez anos – com o título “A maioria dos crimes no Brasil não chega a ser solucionada pela polícia” informa que, de cada 100 crimes no país, mais de 90 nunca foram resolvidos. Em 3 de agosto de 2022, a plataforma Expresso, do jornal O Estado de S.Paulo, dizia que apenas um em cada três assassinatos cometidos em 2019 no Brasil havia sido esclarecido até o fim de 2020: de 41.635 homicídios, somente 15.305 tiveram o autor apontado pelos órgãos de investigação. Não é necessário mais que isso para concluir que o problema da violência contra a pessoa humana é extremamente grave e a sociedade, embora cansada, acabou se acostumando com essa realidade dramática de forma a negligenciar a busca de meios para atenuar a tragédia.

O Brasil tem sido ineficiente tanto na prevenção como na solução dos diversos atos de violência, especialmente em relação aos homicídios

O nível de violência tornou-se tão extremo no Brasil que, mesmo quando comparado com países não desenvolvidos, a situação brasileira é pior, sem que isso tenha causado comoção e intolerância com a manutenção desse estado de coisas. O fato de a quantidade de vítimas dos vários tipos de violência ser altíssimo e o porcentual de casos apurados e punidos ser mínimo é facilitado pela redução da indignação e pela baixa mobilização popular para protestar e exigir medidas que combatam este mal.

A violência tem efeitos que vão além das tragédias humanitárias. Atinge a vida social, sabota a liberdade de ir e vir, impõe custos econômicos, traz ônus ao sistema de saúde e prejudica o desenvolvimento nacional. Numa época em que a busca da felicidade pessoal virou tema de cursos universitários e teses de doutorado, a existência de uma sociedade do medo, em que as pessoas evitam andar pelas ruas, sentar nos bancos de praças ou passear à noite, atormentadas pelo medo e pânico advindo das ameaças de violência, é um problema calamitoso que deveria estar no entre as principais preocupações e prioridades do governo, dos governantes e da sociedade em geral.

Quanto aos prejuízos financeiros e inibição ao crescimento econômico, o tamanho das perdas é visível, a começar pela constatação de que, mesmo com tantas belezas naturais em um território imenso, o Brasil deixa de faturar bilhões de dólares e prejudica a geração de empregos em função do baixíssimo fluxo de turistas estrangeiros. O setor de turismo tornou-se uma gigantesca fonte de renda e emprego em todo o mundo e, por ser conhecido no exterior como um país perigoso e violento, o Brasil tem desempenho ridículo nesse setor. Como exemplo, basta mencionar que, apesar de seu gigantismo territorial e 203,1 milhões de habitantes, o Brasil recebe menos turistas estrangeiros anualmente do que algumas cidades, como Nova York ou Paris. Mas este é apenas mais um problema entre tantos que respondem pelo grande mal humanitário imposto às famílias vítimas da violência e prejudicam a economia nacional.

Pelos dados oficiais, conforme já mencionado, o Brasil tem sido ineficiente tanto na prevenção como na solução dos diversos atos de violência, especialmente em relação aos homicídios. Mesmo assim, o país gasta elevado porcentual da renda nacional e dos tributos pagos ao governo para manter o sistema de policiamento, prevenção, investigação, apuração, processamento, julgamento, condenação e encarceramento dos autores de crimes e ilícitos diversos. Uma frase resume o tamanho do flagelo resultante da violência no país: o Brasil está perdendo a guerra contra o crime.

Nesse emanharado de tragédias, cabe destacar a derrota para as drogas e para o crime organizado. As nações latino-americanas que perderam a guerra contra o narcotráfico transformaram-se em verdadeiros narcoestados, em que os cartéis de criminosos comandam a política e frações da polícia e do sistema de Justiça. No momento em que isso acontece, está descartada de vez qualquer possibilidade de o país vencer o subdesenvolvimento e reduzir a pobreza para sonhar com a chance de vir a ser um país desenvolvido. Ao acostumar-se a conviver com o mal, a sociedade passa a tolerar a violência, até como meio de aliviar a dor de viver em uma nação violenta e perigosa. Porém, isso não deve impedir a sociedade de se indignar, se manifestar e se mobilizar para cobrar que políticos, governos, autoridades e instituições em geral transformem o combate à violência e ao crime como uma das prioridades nacionais.

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