O pedido de prisão de caciques peemedebistas feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal teve um efeito devastador na cúpula do poder em Brasília. Janot mirou nos senadores Renan Calheiros, presidente da casa legislativa, e Romero Jucá, até há pouco tempo ministro de Michel Temer; no presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha; e no ex-presidente José Sarney (que, pela idade, não iria para a prisão, mas teria de usar uma tornozeleira eletrônica). O STF ainda não liberou a íntegra do pedido de Janot, mas informações vazadas para a imprensa dão conta de que seu fundamento está nas gravações de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro que registrou suas conversas com os peemedebistas.
De um ponto de vista puramente jurídico, parece-nos difícil que Janot tenha sucesso. A Constituição, em seu artigo 53, afirma que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”, circunstância difícil de configurar única e exclusivamente com as gravações conhecidas do público – a não ser que o conteúdo de outras conversas, cujo teor não tenha sido divulgado, indique que há um crime em andamento, o que justificaria a prisão. Mas o episódio serve de alerta a toda a sociedade brasileira sobre as inúmeras tentativas de perpetuar a corrupção nos altos escalões do poder federal.
Movimentações para acabar com a Lava Jato, ou pelo menos burlá-la, vêm desde o governo Dilma
O primeiro front consiste em acabar com a Lava Jato propriamente dita, ou pelo menos burlá-la onde for possível. Tais movimentações vêm desde o governo Dilma: foi o caso da tentativa do então líder do governo, senador Delcídio do Amaral, ao tramar a fuga do delator Nestor Cerveró e comprar seu silêncio – a trama acabou descoberta, Delcídio foi preso e teve seu mandato cassado. Por sua vez, em sua delação premiada, o ex-senador disse que o então ministro da Educação, Aloizio Mercadante, também teria oferecido ajuda financeira para evitar que Delcídio contasse às autoridades tudo o que sabe, e que a presidente Dilma Rousseff estaria usando nomeações para o Superior Tribunal de Justiça para livrar o empreiteiro Marcelo Odebrecht. Entre outras ações para atrapalhar a Lava Jato, não se pode esquecer o episódio da troca do ministro da Justiça – José Eduardo Cardozo era criticado pelo PT por não “colocar freios” na Polícia Federal – e a tentativa de conferir foro privilegiado ao ex-presidente Lula, com sua nomeação para a Casa Civil.
Seria ingenuidade imaginar que a queda de Dilma interrompesse as tramoias, já que o PMDB é praticamente um coprotagonista do petrolão. Mas as gravações de Sérgio Machado mostram que a intenção não era apenas blindar os atuais investigados, e sim garantir que os corruptos fiquem longe do alcance de futuras operações, com alterações na legislação que dificultassem o combate à ladroagem. Esse alerta tem sido feito por integrantes da força-tarefa da Lava Jato (como o procurador Deltan Dallagnol) e pelo juiz Sergio Moro há muito tempo. Recentemente, em conferência realizada em Curitiba, Moro lembrou que a Operação Mãos Limpas, na Itália, ficou enfraquecida ao perder apoio popular, oferecendo a brecha para que os políticos “sobreviventes” aprovassem leis colocando empecilhos às investigações ou determinando penas mais brandas para a corrupção.
Por mais lamentável e imoral que seja a articulação para mudar as leis em benefício dos corruptos, trata-se de atividade parlamentar que não é ilegal – Jucá, Renan ou Cunha não poderiam ser presos com base em gravações que deixassem clara a intenção de aprovar esta ou aquela lei. Este é um controle que só pode ser feito pela população, para que não aconteça aqui o que houve na Itália. Atenção máxima aos projetos de lei que lidam com o combate à roubalheira, apoio a iniciativas como as Dez Medidas Contra a Corrupção e pressão popular, inclusive nas ruas, são o melhor jeito de impedir que os corruptos levem a melhor, no curto ou no longo prazo.
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