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Editorial

A Ucrânia à beira da guerra

Foto de satélite mostra grupo de batalha em área de treino em Voronezh, Rússia, 19 de janeiro. Concentração de tropas russas na fronteira eleva temores de uma invasão à Ucrânia. (Foto: EFE/EPA/Maxar Technologies)

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“Ouvimos (Sergei Lavrov, ministro do Exterior russo) repetir que eles não têm intenção de invadir a Ucrânia, mas há coisas que todos nós vemos”, afirmou Anthony Blinken, o secretário de Estado norte-americano, nesta sexta-feira, após reunião com seu equivalente russo em Genebra, na Suíça. As “coisas que todos nós vemos”, no caso, são o reforço massivo de tropas russas nas proximidades da fronteira com a Ucrânia, reforçando ainda mais a possibilidade de uma invasão terrestre. A embaixada norte-americana em Kiev pediu ao Departamento de Estado que autorize a saída de todos os funcionários não essenciais e suas famílias; o governo já pediu que cidadãos norte-americanos evitem viagens à Ucrânia. Há informações de que os russos também estariam esvaziando suas representações diplomáticas em Kiev e outras cidades ucranianas.

A comunidade ocidental ainda está incerta sobre os reais planos de Vladimir Putin; as possibilidades vão desde uma pressão sobre o ocidente sem uma verdadeira intenção de invadir a Ucrânia, até um cenário já mencionado por autoridades segundo o qual a Rússia avançaria suas tropas até Kiev para derrubar o governo ucraniano. Entre esses extremos, há a hipótese de uma invasão apenas no leste do país para estabelecer uma ligação terrestre entre a Rússia e a península da Crimeia, anexada por Putin em 2014. Há uma semana, surgiu a informação, levantada pela inteligência norte-americana, de que os russos preparavam uma ação para simular um falso ataque ucraniano, que seria usado como justificativa para a invasão.

O ocidente precisaria estar disposto a responder sem hesitação com sanções drásticas – e isso inclui as potências europeias que dependem das commodities russas para suprir sua demanda de energia

Putin sabe que muitas de suas exigências não têm como ser atendidas. O autocrata russo gostaria de ver a Otan bem longe não apenas de suas fronteiras, mas também de qualquer país sobre o qual a Rússia queira exercer influência. A Otan já deixou claro que não retirará tropas da Romênia e da Bulgária, que integram a aliança militar há quase 15 anos, e que não há como se comprometer em não incluir outros países, entre os quais a própria Ucrânia. Quando invadiu e anexou a Crimeia, Putin gerou comoção internacional, mas no fim das contas conseguiu escapar relativamente impune da agressão. Estaria ele convencido de que poderia fazer o mesmo com um pedaço de terra ainda maior?

A resposta depende da real disposição das democracias ocidentais em responder às agressões e defender as populações atacadas. O sírio Bashar al-Assad cruzou várias “linhas vermelhas” estabelecidas pela administração Obama durante a guerra civil síria, inclusive com o uso de armas químicas contra sua população, e recebeu em troca apenas ataques pontuais. A China desrespeita abertamente o acordo feito com o Reino Unido quando da devolução de Hong Kong, elimina as liberdades democráticas na região, e segue impune. Esses precedentes, que também incluem a desastrada retirada norte-americana do Afeganistão, poderiam levar Putin a acreditar que, mais uma vez, a comunidade internacional reagiria com indignação, mas não muito mais que isso.

Por isso, o ocidente precisaria estar disposto a responder sem hesitação – e isso inclui as potências europeias que dependem das commodities russas para suprir sua demanda de energia. Um confronto aberto entre tropas russas e norte-americanas ou europeias teria consequências inimagináveis, e nem a Otan trabalha com essa possibilidade, preferindo ajudar os ucranianos com armas e inteligência. Por isso, a aplicação imediata de sanções drásticas aparece como a primeira alternativa em caso de invasão; se houver a menor hesitação da parte de algum dos parceiros ocidentais, Putin farejará a fraqueza.

No entanto, a não ser que esteja completamente cego, o russo também sabe que, por mais que suas tropas sejam superiores, a Ucrânia não seria um adversário qualquer e poderia se transformar em um atoleiro ainda maior que a Chechênia, uma campanha militar cujas cicatrizes estão até hoje abertas na sociedade russa. A opinião pública do país não tem o menor entusiasmo por uma invasão da Ucrânia; uma guerra sangrenta e as sanções ocidentais poderiam muito bem levar a um desfecho que anos de oposição democrática não conseguiram: o fim do regime autocrático de Putin.

A história recente mostra que, mesmo quando tudo parece indicar que a guerra é inevitável, a distensão é possível – o melhor exemplo é o da crise dos mísseis cubanos, em 1962. Se o “ponto de não retorno” ainda não chegou para a Rússia, todo esforço diplomático para frear Putin é válido e poderia incluir algumas poucas concessões menores que lhe permitam, ao mesmo tempo, recuar e cantar vitória internamente. Mas este esforço de entendimento não pode ser levado adiante de modo que Putin o leia como sinal de que, mais à frente, ele poderia voltar à ofensiva; a comunidade ocidental precisa deixar muito claro que protegerá a Ucrânia em caso de nova escalada.

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