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| Foto: André Kasczeszen/Appa

Em mais um de seus rompantes quando o assunto é comércio exterior, o presidente norte-americano, Donald Trump, direcionou as baterias à Índia e ao Brasil. Nos jardins da Casa Branca, Trump afirmou que “o Brasil (...) é uma beleza. Eles cobram de nós o que querem. Se você perguntar a algumas empresas, eles dizem que o Brasil está entre os mais duros do mundo, talvez o mais duro. E nós não os chamamos e dizemos: ‘Vocês estão tratando nossas empresas injustamente, tratando nosso país injustamente’”. Deixando de lado essa combinação curiosa de vitimismo e truculência que marca a postura de Trump no comércio internacional, temos de questionar: é de todo descabida a reclamação do norte-americano?

O Brasil tem sido repetidamente apontado pela Câmara Internacional de Comércio como o país mais fechado do G-20, o grupo das 20 maiores economias do mundo – mais fechado até que a Argentina, onde até alguns anos atrás a então presidente Cristina Kirchner dizia não querer que o país importasse “nem um parafuso sequer”. As taxas sobre produtos importados estão bem acima da média internacional. A insensatez chega ao ponto de se taxar pesadamente até mesmo produtos que não têm concorrente nacional.

Vários ramos da indústria nacional se mostram aterrorizados diante da ideia de ter de competir com os produtos estrangeiros 

Nos últimos anos, o nacionalismo e o intervencionismo petistas contribuíram muito para fazer do Brasil um país ainda mais fechado ao comércio internacional, dando sequência a uma tradição que já vinha de muitas décadas antes da primeira vitória de Lula. Basta recordar as políticas de conteúdo local que o governo quis implantar, especialmente na construção dos equipamentos para a exploração do pré-sal. As exigências encareceram a tarefa e, em alguns casos, afastaram potenciais parceiros estrangeiros que poderiam se associar à Petrobras. Em agosto de 2017, o Brasil sofreu sua pior condenação na Organização Mundial de Comércio (OMC) pela aplicação de programas de incentivo fiscal, principalmente nos setores automotivo e de tecnologia/informática. Embora a OMC aceite a aplicação de subsídios fiscais internamente, os programas implantados por Dilma (e, em alguns casos, mantidos por Temer) continham outros elementos – como a já citada exigência de conteúdo local – que caracterizavam ilegalidade.

Justiça seja feita, o fechamento do Brasil ao comércio exterior não se deve apenas a convicções ideológicas equivocadas do governante de plantão. Vários ramos da indústria nacional se mostram aterrorizados diante da ideia de ter de competir com os produtos estrangeiros e fazem pressão em Brasília. Isso explica, por exemplo, que em 2015 o Brasil tenha ficado fora do Tratado Internacional de Tecnologia da Informação por pressão de entidades do setor eletroeletrônico, que à época admitiram abertamente sua oposição ao tratado que eliminava tarifas sobre centenas de produtos de tecnologia. E também explica o sucesso do setor automotivo em emplacar incentivos seguidos – depois do Inovar-Auto, condenado na OMC, veio o Rota 2030 –, mesmo sem ter conseguido elevar os carros produzidos aqui ao mesmo nível de qualidade daqueles feitos nos países desenvolvidos, que tiveram de pagar altas alíquotas de IPI até o início deste ano.

Leia também: Protecionismo sob acusação (editorial de 20 de julho de 2015)

Leia também: A ilusão de que conceder privilégios é o que gera desenvolvimento (artigo de Leonardo de Siqueira Lima, publicado em 25 de junho de 2018)

Se há algo de que as empresas nacionais têm razão de reclamar, é a estrutura tributária brasileira, que onera muito mais a produção e o consumo que a propriedade e a renda, ao contrário do que fazem países desenvolvidos. Não é apenas a tributação que encarece o produto nacional, mas todo o emaranhado legal que faz do Brasil o país onde mais se gasta tempo para cumprir as obrigações com o Fisco. Também é preciso atacar essa frente com uma reforma tributária abrangente, além de investir na formação de mão de obra devidamente qualificada e combater os ingredientes do famoso “custo Brasil”, como a burocracia e a precariedade da infraestrutura nacional.

No início deste ano, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Banco Mundial divulgaram estudos que estimavam as consequências de uma abertura do Brasil ao comércio exterior, como o incremento de quase dez pontos porcentuais de crescimento do PIB ao longo de 15 anos; além disso, 6 milhões de pessoas seriam tiradas da pobreza. Mais competição significa produtos mais baratos à disposição do brasileiro, que pode usar melhor a renda que tem, além da oportunidade de o empresário nacional adquirir bens de capital que melhorem seu produto.

Por mais que Estados Unidos e União Europeia, para ficar em dois gigantes da economia mundial, também tenham suas práticas protecionistas, e ainda que haja boa dose de exagero na reclamação de Trump, o Brasil é, sim, um país fechado – por opção, por ranço ideológico, por um “capitalismo de compadres” que livra os “amigos do rei” da desagradável tarefa de precisar competir pela preferência do consumidor. E, se o próximo governo trabalhar para reverter esse quadro, fará um enorme favor ao país.

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