Medição dos índices de Felicidade Interna Bruta (FIB) pode derrubar a era PIB e mudar a maneira de encarar a geração da riqueza. Único perigo é não entender muito bem o que seja essa tal de felicidade

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A felicidade foi chegando devagarinho, quase por descuido, como escreveu um dia o escritor Guimarães Rosa, até se tornar um índice poderoso, capaz de fazer frente ao PIB – o Produto Interno Bruto – e mobilizar o planeta. As primeiras notícias sobre a FIB – Felicidade Interna Bruta –, contudo, não são a mais nova top model da passarela. Remontam a década de 1970 e houve quem julgasse a ideia um efeito colateral da era disco, cujo índice de felicidade era realmente bruto.

O Brasil, apesar das canções do Roberto, custou a comprar a ideia. Um dos motivos pode ter sido sua má colocação nas pesquisas de felicidade que pipocaram pelo mundo nos últimos anos. Beiraram para o desaforo. A terra da Catifunda e da Dercy Gonçalves perdeu para a paupérrima Nigéria, por exemplo, e se avizinhou de Serra Leoa. Mas agora pode confiar nos resultados. Os medidores de satisfação, prazer, alegria, etc, se sofisticaram e parecem, finalmente, estar com os pés no chão.

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Prova é que países como Dinamarca, Noruega, Finlândia e Holanda triunfam na era happy, mostrando que a conjugação de políticas sociais, conhecimento, urbanismo, mobilidade – mesmo com temperaturas talhadas para o mau humor – lembram o final feliz dos contos de fada. É meio caminho andado. Nos tempos em que o PIB era tudo e mais um pouco, a roda do mundo estava reduzida à medição da riqueza. Como diz o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, faltava avaliar as condições em que o Fausto é alcançado. Se for com felicidade, vira fortuna. Do contrário...

Há países com passos apressados desenvolvendo seus métodos próprios de aferição de FIBs e o assunto tem tudo para roubar as atenções na Rio+20, conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável que acontece em junho deste ano. O termo felicidade é que parece não se encaixar muito bem nesse barulho todo – pelo menos aqui no Brasil, onde felicidade, amor, paixão saem da boca feito assobios.

Desde meados dos anos 1990, o Instituto Datafolha promove pesquisas sobre felicidade. Em uma década entre a primeira e a segunda edição, nos anos 2000, o resultado é de cofiar a barba: o conceito sobre felicidade se mostrou altamente vira-lata, moldando-se a todas as condicionantes possíveis e imagináveis. Os resultados levam a suspeitar que a felicidade virou mesmo um produto, estampado nas propagandas de lojas de departamentos, nas inúmeras fotos digitais sacadas todos os dias e principalmente nas entrevistas de emprego.

Dizer-se descrente da felicidade é passaporte para a solidão, quando não para a informalidade. Os RHs não querem os tristonhos. O preço dessa forma bruta de seleção é que mais importante do que ser feliz é parecer feliz. Mesmo que os métodos internacionais de medição do FIB não levem em conta o sorriso estampado no rosto – mas a crença de que a educação e a mobilidade urbana vão bem, por exemplo – difícil não desconfiar de que alhos e bugalhos vão se embaralhar.

Uma boa medida para que o nosso futuro FIB seja um FIB confiável seria colocar a discussão em debate nacional – de preferência depois do carnaval. Assunto não vai faltar. Há um sem-número de livros na praça, assinados por antropólogos sérios, na maioria oriundos do país que, digamos, inventou a felicidade, os Estados Unidos.

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Não se pode esquecer que os EUA são a terra dos musicais, da comédia pastelão, dos adoráveis filmes de Frank Capra – como Do mundo nada se leva (1938) ou A felicidade não se compra (1946), verdadeiros bálsamos para os tempos da depressão. É de lá, naturalmente, que vem a mais arrasadora discussão sobre esses tempos felizes, encabeçada por bambas como os psicólogos Jonathan Haidt e Richard Layard, em disputadas cadeiras nas melhores universidades.

Como se vê, felicidade nada tem a ver com conversa de comadres afundadas na literatura de autoajuda. Mais do que na Idade Média ou no século 17, quando Robert Burton escreve Anatomia da Melancolia, vive-se agora tempos depressivos. A felicidade, como nunca, tem de ser servida em cápsulas, como se não houvesse mais forças para gerá-la pela própria natureza. O consumismo atingiu graus ameaçadores – pode levar o meio ambiente à bancarrota, mas sem ele, que remédio, meio mundo cairia de cama.

Os perigos que rondam a felicidade são tantos que se chega a suspeitar se não é da infelicidade que se está tratando. Faz sentido. Como qualquer índice que se preze, o que importa é saber o tamanho do seu contrário, a dimensão dos índices negativos. Esses dados ajudam a saber onde estamos depois de tsunamis, Lemman Brothers, Mapas do Crime e propagandas que insistem em nos assediar com falsas promessas. A FIB, pensando bem, pode nos trazer à realidade.